Arba Minch, Etiópia - os crocodilos do Lago Chamo

Thin Red Line começa com um crocodilo, de olhos à tona da água num pântano todo ele coberto por uma nata de algas verde.
Lentamente o crocodilo submerge e desaparece por debaixo daquele lodo verde, sem perturbar minimamente o repouso da água. É como se ele nunca tivesse lá estado. 

Os crocodilos fascinam-me e tenho um especial carinho por eles. 
São nobres, são belos, são delicados e gentis. São animais formidáveis dignos da nossa admiração e mais ainda da nossa protecção. 

Os crocodilos, são um dos campeões da sobrevivência e da evolução. 
Estima-se que a sua linhagem, os crocodilianos, teve origem desde há cerca de 205 milhões de anos. Algures entre a transição do período do Triássico e o Jurássico da era Mesozóica. 
Uma era que se estende entre os 250 milhões de anos e cerca de 70 milhões de anos atrás.
É no mesozoico que o super-continente Pangeia dividi-se em dois: Gondwana, a sul e Laurasia, a norte..
Na altura em que os crocodilos primordiais surgiram, estavam os mamíferos a dar os primeiros passos evolutivos no planeta.

Ainda antes do final era Mesozóica e da passagem para o seu último período, o Cretáceo, os crocodilos terão evoluído para a forma actual.
Ou seja, quando alguém fica repugnado, arrepiado de olhar para um animal da família dos crocodilos está a olhar para um ser vivo com cerca de 80 milhões de anos.
Eles são extremamente estáveis ao longo do tempo, o que demonstra a sua superioridade evolutiva, sendo um dos poucos repteis que sobreviveram ao impacto do célebre meteorito (extinção em massa do Cretáceo) com a Terra que extinguiu os famosíssimos dinaussaurios, que por sua vez também eram repteis.

Nós, seres humanos, enquanto homo sapiens, temos apenas uns meros 200 mil a 130 mil anos. 
Se pensarmos em termos gerais da evolução humana - pré-hominídeos - e com uns quantos ramos falhados que chegaram a um beco sem saída em termos evolutivos, podemos atingir os 4 milhões anos.



Onde o rio Kulfo desagua no lago Chamo, encontramos o Mercado dos Crocodilos. O nome é um pouco infeliz.
Ao contrário do que a primeira impressão transmite, o Mercado dos Crocodilos é um local do lago onde se pode encontrar uma população dos maiores crocodilos africanos, que chegam a atingir quase os cinco metros, no estado selvagem.
Os do Nilo conseguem ultrapassar os seis metros.

Como bónus extra encontramos vários pássaros de grande porte nas margens do lago, principalmente elegantes cegonhas e cegonhas de bico amarelo, e os irascíveis, mas divertidos, hipopótamos. 

Este têm um corpo imenso, que pode pesar até as quatro toneladas, uma boca desmedida, com quase uma abertura de 180º, uns caninos gigantescos de crescimento continuo, a atingir cerca de 30 a 60 cm.
Têm um grunhido grave e profundo com umas orelhitas minúsculas perdidas numa cabeça maciça de focinho alongado e formato quadrado.




Fim da manhã, cerca das 11.00h.
A entrada no lago é feita num local meio pantanoso onde este já reclama território.
Os barcos lá parados são pequenos, talvez dêem para oito pessoas, eventualmente, dez. Todos têm um oleado a proteger do sol.
Dependendo do local onde os crocodilos estão, são cerca de 20 a 30 minutos dependendo do sítio onde estes se encontram.




A paisagem é aberta, distante. Água, uma faixa de verde e depois um azul profundo a sustentar algumas nuvens brancas.
Com o barco a vencer a distância, a paisagem muda.
Canaviais, arbustos e árvores esqueléticas, vão barrando progressivamente o horizonte.







Na aproximação ao local, o barqueiro desligou o motor e deixou o barco deslizar na água.
Eles lá estavam. Imóveis, Camuflados entre e sobre os canaviais.
Belos, imponentes, maciços. Emanam uma grande força. É sempre com espanto e com uma imperceptível vénia que os cumprimento.
Fascina-me a sua capacidade de sobrevivência e o sucesso da sua evolução.


Olho para os seus corpos. 
Os olhos são fendidos como os dos gatos. Bem visíveis, longas fileiras de escamas acompanham toda a linha dorsal até à sua cauda. Esta é poderosa. Propulsiona-o na água, para fora de água, serve para sua defesa e para a corte.
As fileiras de dentes salientes no seu focinho extremamente alongado e pontiagudo. O crocodilo tem uma das dentadas mais fortes do reino animal, a rondar os 1000 kg/f. 
E no entanto conseguem, verdadeiramente, aplicar a maior das delicadezas quando transportam as suas crias para lugares mais seguros.




Os egípcios no tempo dos faraós, veneravam-no. O Deus egípcio Sobek, um homem com cabeça de crocodilo com uma coroa e segurando um ceptro, era associado à fertilidade, à vida, à água e à vegetação.
Conta a lenda que foi um crocodilo que com o seu suor deu origem ao rio Nilo.
Ele é um Deus protector dos faraós. Frequentemente os crocodilos após a sua morte eram embalsamados para continuarem a protegê-lo na vida após morte.

O barco vai passando por eles vagarosamente. Muitos estão com a boca aberta. Tal permite-lhes arrefecer o corpo. É o único sítio do seu corpo por onde podem suar.
O guia não soube estimar a idade destes crocodilos, mas estes têm uma esperança média de vida semelhante à do homem, cerca de 80 anos.




A sua pele é espessa e muito escamosa na zona dorsal, mas suave e macia lateralmente e no seu ventre.
Ela é usada numa grande variedade de artigos de moda: casacos, sapatos, botas, malas, carteiras e cintos.
Esta particularidade causa uma autêntica mortandade entre os crocodilos. Por uma questão da vã vaidade, status e exibicionismo, milhares de crocodilos são mortos anualmente.

Silenciosamente peço-lhes desculpa pela incompreensão e ignorância da generalidade dos seres humanos, que apenas por não gostarem dele, por os considerarem feios e grotescos, e pela grande apetência pela sua pele, são perfeitamente capazes de fazer o que um meteorito há 65 milhões de anos e com talvez mais de 10 km de diâmetro não conseguiu: extingui-los.


Vagarosamente, sem agitar as águas, continuamos a passar por eles. 
Hipopótamos e diversas cegonhas fazem igualmente a sua aparição neste cenário onde os crocodilos imperam.




Afastamo-nos e voltamos para a margem de onde partimos. 
Para trás ficou um dos animais mais espantosos e incompreendidos do planeta.



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