aldeias de xisto, Vaqueirinho - à espera do metro


Vaqueirinho é uma das aldeias de xisto mais desconhecidas e menos procuradas da Serra da Lousã.
Não faz parte do circuito oficial das aldeias de xisto da Lousã, apesar de estar integrada nela.
Consta que o seu nome está associado à grande quantidade de gado que outrora existia.
O pequeno largo da entrada na aldeia é estreito. Uma pilha de pedras de xisto de várias formas protegidas por um espesso plástico transparente, estreitava ainda mais o largo e à excepção de um carro cinzento, sujo e a cair de podre, não havia carros estacionados.

O único sinal de vida foi dado por uma jovem gata esquelética que tanto procurava comer como festas. À saída da aldeia, ao lado de outro gato igual a ela, comeram dois pães de leite. Foi provavelmente o melhor que lhes aconteceu em muito tempo.


Descer escadas emparedadas entre casas de xisto abandonadas pelo tempo, até chegar a um pequeno largo. Um tampo redondo e largo de madeira, de aparência pesada, repousava em cima de um tanque de cimento, improvisava uma mesa e à sua frente esta uma porta aberta.
A encimá-la estava um letreiro que dizia Fim do Mundo. 
Os olhos precisaram de algum tempo para se habituar à baixa luminosidade.
O interior era escuro, sujo, desarrumado. Podia ser o interior de um sótão, para onde se atiram coisas que não são usadas e que há muito tempo não fazem falta e onde a arrumação não precisa de ter uma lógica óbvia para ser funcional. 
À minha frente, sentado numa mesa baixa, sem dizer uma palavra, fazer um gesto ou se levantar, estava o Pedro.

Barba longa, grisalha. O cabelo, igualmente longo e grisalho.
Os dois uniam-se ao nível do pescoço, tornando o seu rosto, profundamente encovado, numa ilha perdida num mar de pêlos cinzentos de aspecto cerdoso.
Tinha os antebraços apoiados no tampo da mesa, com as mãos juntas e dedos entrelaçados, o pescoço enterrado entre os ombros. Dava para perceber que era alto e bastante magro.
No chão, à frente da mesa e ao lado de uma da outra, estão duas grades de cerveja, sobre a mesa alguns rebuçados e nogats. O Fim do Mundo é um café, ou talvez uma taberna. Garantidamente os dois. Aquele lugar social, comunitário, onde o rumo da aldeia é decidido entre várias cigarradas e muitas minis bebericadas.


Tento conhecer um pouco da sua história e também da aldeia, mas sem grande sucesso. Não é fácil falar com Pedro, não se alonga nas respostas. Está resignado com a vida, mas não deixa de ser sarcástico.
"Boa tarde, vive aqui? Como vão as coisas?"
Ele abre os braços, abarcando todo o interior da loja e diz: "Como podes ver estou a suar com o movimento, o negócio vai de vento em popa!
No largo existe um pequeno tanque que estava vazio. A tentativa de conversa prossegue com outra pergunta: "Aquele tanque é uma pequena piscina??"
A voz algo amarga de Pedro, responde gracejando: "É a entrada do metro. Estamos à espera que ele chegue cá. As obras estão atrasadas."

Não aceita e não percebe que Chiqueiro, uma aldeia mais pequena, tenha ficado no circuito oficial das aldeias de xisto, mas não Vaqueirinho. 
Protesta contra aldeias como Talasnal. A aposta no turismo desvirtuou completamente a aldeia, mas traz-lhe muita gente e logo dinheiro. Solta uma exclamação que poderia ser ouvida numa qualquer manifestação de esquerda: "O capitalismo é quem manda!"
Eu tinha estado no dia anterior no Talasnal. De facto é uma aldeia "betinha, arrumadinha e bem penteada. Artificial e plastificada. Prefiro de longe a sinceridade de Vaqueirinho", digo a Pedro.
Este encolhe subtilmente os ombros, num gesto de concordância, como se eu tivesse descoberto a pólvora.

Não o consigo ver imaginar fora de Vaqueirinho, há várias dezenas de anos que aqui vive. Não o vejo capaz de enfrentar o lufa lufa de uma cidade, a tomada de decisões rápidas, o movimento perpétuo que a vida urbana, imprime nas pessoas. 
Nos dias que correm são cinco habitantes. Só homens. São eles que tratam da aldeia e quando necessário ajudam a recuperar uma casa. "Nós fazemos um pouco de tudo".
Na hora seguinte iria estar na aldeia Catarredor. Aí conheceria outro dos habitantes daqui.

Não têm pretensões a tornarem-na turística. Apenas pretendem preservá-la, limpá-la e evitar que a degradação da aldeia passe além do que é recuperável.
Os caminhos estão razoavelmente limpos de ervas. Há carinho nas casas que foram recuperadas.
Têm alguns traços místicos, Há uma casa que na ombreira da porta tem um Om pendurado e por baixo dela, o mantra Om Shanti Om, e ainda uma outra que tem o Deus hindu Ganesha.
As ruas são estreitas, quase claustrofóbicas, bastante inclinadas e a quantidade de casas em ruínas é grande. A vegetação tomou conta de grande parte delas, conquistando fachadas.
Há três para venda. Os contactos são bem visíveis. Tirando uma, que ainda se aguenta de pé, com uma parte do telhado abatido, as outras praticamente são só fachadas.
Curioso, pergunto quanto estão a pedir por elas.
"Estão a pedir 15000€ pelas três. Pelo preço que os donos pedem devem pensar que há uma mina de ouro por baixo delas!".

Torço para que o capitalismo não vença de todo em Vaqueirinho. A continuação da amargura de Pedro, será a sorte dos cinco habitantes e dos futuros, que garantidamente chegarão. Será uma aldeia com uma personalidade e com uma passagem de tempo bem distinta das outras.
Vaqueirinho será, no prazo que Pedro quiser, um tesouro enterrado na serra da Lousã, mas sem o X a marcar o local.

Peço-lhe autorização para lhe tirar uma fotografia, mas rejeita com enfado - "Eu já apareço na internet, não preciso de aparecer mais."
É verdade. Quando pesquisei a aldeia Vaqueirinho na net encontrei algumas fotografias e menções a ele. Esta será mais uma.

Aperto-lhe a mão e despeço-me: "Da próxima vez que cá vier, já venho de metro. Ou de avião...".
Pedro manteve-se sentado na mesma posição. Entrelaçou as mãos de novo e o pescoço voltou a enterrar-se nos ombros.

A propósito, cada nogat custa cinquenta cêntimos.









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