Marraquexe, Marrocos - sobre os souks



Marraquexe é uma cidade incontornável de Marrocos, a porta de entrada por excelência neste país do norte de África.
Visitei-a em dois anos consecutivos, 2002 e 2003 e como não há duas sem uma terceira, regressei a esta cidade imperial, este ano, em 2019.
Seria de esperar que tivesse mudado, que tivesse evoluído em dezasseis anos, mas não. Não mudou nada. Frustrantemente nada. Continua suja, pobre e pouco acolhedora para o visitante. Visitada por milhões de turistas anualmente, são mais de dez milhões, não se vê, não se percebe, que mais valias, que valor acrescentado o rendimento deixado por quem a visita traz à cidade, aos que vivem nela.

Negociar, dirames e paciência. Continuam a ser as palavras mais importantes, para sobreviver em Marrocos, principalmente em Marraquexe. A primeira palavra implica a segunda, e a terceira implica as duas primeiras.
O assédio aos bolsos do turista é uma constante, um desporto nacional insistentemente praticado. Continuamos a ser vistos como sacos de dinheiro. 
Estar perdido, pedir uma direcção, uma morada é uma oportunidade para alguém super simpático se "oferecer para ajudar". No fim descobrimos que a "ajuda" tem um preço e que a simpatia se volatiliza se pagarmos menos do que foi pedido ou, pior, não pagarmos de todo. Para ambos os casos só há uma solução: firmeza no não. Para além de um bom número de pragas dias em árabe - é sempre curioso ouvi-las - nada de mais acontecerá.

E por falar em souks...


... eles intimidam.
Souk em árabe significa mercado. São labirínticos, fechados, estreitos e caóticos. Ramificam no interior da medina em ruas, vielas e becos ainda mais estreitos onde túneis, arcos, discretas mesquitas e jardins abundam. Tudo pintado de ocre. Neste emaranhado de ruas e de souks, a vida local impera.
Os souks fervilham de vida e actividade. São formigueiros de gente. Adicionemos as motas, bicicletas, carroças, burros, carrinhos de mão e gente apressada carregando cestas a circular por entre eles e nós. Tudo ao mesmo tempo. Com um pouco de sorte e por necessidade abrandam, mas dificilmente param. Entrar neles é como mergulhar de uma plataforma de dez metros numa piscina. É preciso determinação e um bom fôlego. Mas vale a pena. Aconselhável até. A quantidade de pessoas, o denso entrelaçado das ruas fracamente iluminadas, a cor ocre em todo o lado rapidamente nos retira referências que possamos tentar guardar.
A adrenalina corre por nós quando nos aproximamos das suas entradas. A sensação do desconhecido é forte, o medo de que nos vamos perder parece inevitável. Tal irá acontecer. E ainda bem. Não andar perdido por aqui é tão mau como ir a Roma e não ver o Papa.


São uma explosão de cor, de aromas e de sons. Neles, há têxteis, metais e madeiras, cerâmicas, artesanato e doçaria. As lojas são pequenas e lado a lado sucedem-se umas às outras. Frequentemente são panos e toldos que delimitam os espaços de cada uma e onde cada centímetro quadrado está aproveitado até à saturação.
Os primeiros metros percorridos são sempre muito ocidentalizados. A probabilidade de se encontrar algo feito na China e serem do kitsch mais foleiro é muito alta. Tudo é igual a tudo. É lá no fundo, na profundidade dos souks que se encontra a pureza e a habilidade dos artesãos marroquinos, que os vemos a trabalhar e se entabulam as melhores conversas. E onde, felizmente, se encontram maioritariamente locais nas sua compras diárias. Vêem-se poucos ocidentais. Esses ficam pela superfície.
Os gatos são uma constante. É bem conhecida a predilecção que o Profeta Maomé tinha por estes pequenos felinos. As histórias e as lendas à volta deles e do Profeta são várias. Por isso os muçulmanos respeitam muito os gatos. Mas nem sempre eles estão bem cuidados, muitos estão doentes e fracos. São como os hindus: as vacas até podem ser sagradas mas daí a que sejam bem tratadas...

É aqui que se fazem as melhores compras e se negoceiam os melhores preços. O que não significa que sejam os mais justos. Tenho por método baixar, sem pruridos, três a quatro vezes menos o preço inicial para no fim aceitar no máximo, metade do preço inicial.
Nas compras de rua há uma regra de ouro, um acordo de cavalheiros, uma regra de etiqueta que tem que estar bem presente em nós: não se recua numa compra, ou tentar de novo renegociar o preço final após este estar acordado.
Fazê-lo é estar desrespeitar o vendedor e o tempo que despendeu connosco. É desrespeitar um compromisso que foi selado e que para os árabes é quase sagrado.



Podemos pensar nos souks como parques temáticos onde nuns estão os perfumistas, noutros concentram-se os carpinteiros, os ferreiros têm um para si, os especieiros, tecelões e tapeteiros, curtidores e joalheiros também têm o seu quinhão de espaço e área garantida. São pequenos mundos de um mundo maior onde as línguas faladas são tão diversas quanto a variedade de souks. Ouve-se e fala-se para além do árabe, a língua local, o francês, inglês, alemão, português, espanhol, italiano. Uma babel essencialmente europeia que artesãos e vendedores fazem questão de conhecer as saudações, os números e os... jogadores de futebol desses países. Quem anda por aqui, saber se existem ou existiram jogadores marroquinos a jogarem nos principais clubes do seu país ou, quais os nomes mais conhecidos internacionalmente, serve para conquistar simpatias e dar argumentos para ir mais fundo numa discussão de preços.




Segredos para sobreviver aqui? Um bom sorriso, uma boa dose de conversa da treta, disposição para regatear, ser capaz de dizer uma infinitude de nãos sempre de uma forma simpática e um calçado confortável porque os souks são longos.
E na hora de regressar? Além de haver tabuletas em vários dos seus corredores que indicam a direcção da Praça Jma El Fnaa... pergunta-se.
Para evitar a caça ao dirham as pessoas certas a perguntar são os vendedores e artesãos (esmagadoramente homens) e às mulheres que circulam nos souks. O regresso é garantido e muito dificilmente, em Marrocos nunca se tem a certeza de nada, alguém pedirá dinheiro.

Marraquexe não é uma cidade fácil, nem amigável, consegue por vezes roçar a hostilidade. É interesseira e não dá ponto sem nó, fazendo jus ao velho ditado que diz que não há almoços grátis, mas uma das suas melhores facetas é mostrada num dos seus maiores e mais procurados emblemas: os souks.




Comentários

  1. Os souks são, definitivamente, o coração e a alma da cidade. Labirintos de cores, de rostos e de cheiros que nos despertam para uma realidade paralela.

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