Bruges, Bélgica - o postal das três praças

A história de Bruges remonta ao século IX, ao tempo dos vikings. O seu nome derivar da palavra nórdica Brygga que significa porto ou local de amarração. O porto de Bruges estava ligado ao Mar do Norte pelo estuário do Zwin. É neste porto que a cidade nasce (ganha o nome) e cresce.
Através do seu porto, a cidade floresceu, enriqueceu, principalmente, com o comércio de têxteis. Comerciantes de Espanha, Inglaterra, França e Alemanha confluíam para cidade tornando-a efervescente de actividade, cor e riqueza.
Perde influência comercial no século XV quando o porto de Antuérpia se estabelece e atrai para si os mercadores. Entre os séculos XVI e meados do XIX, a cidade cai no outro extremo e torna-se uma das mais pobres do país. No entanto, a cultura, a arte, nomeadamente a pintura, e a arquitectura não esmorecem, pelo contrário. A velha cidade renasce no século XX quando o turismo se impõe e reconhece nela as virtudes que antes estavam perdidas.
Oscilando entre o local e o turismo, Bruges é uma das cidades imperdíveis da Bélgica.


Bruges é de facto um cartão postal da Bélgica. Bela, burguesa, de arquitectura medieval, romântica com as suas pontes e canais ao longo do rio Reie. Várias pequenas praças, ruas estreitas, com algumas empedradas, a cidade é arrumada e limpa, atraente e fácil de gostar. Encantadora e charmosa.
De eleição para se cirandar a pé, ou de bicicleta, sem pressas e sem preocupações. 
Caminhar com um gaufre na mão, para depois segurarmos um canudo de papel cheio de batatas fritas seguindo os aromas de chocolate das lojas de chocolate que pululam nas ruas. Sem esquecer uma típica cerveja belga num qualquer bar ou esplanada como quem bebe uma muito clássica chávena de chá das cinco, em Londres.
Para quem chega de comboio, o mais provável, na estação encontra um posto de turismo, onde um pequeno mapa ajudará nas deambulações por esta pequena cidade postal. 


De toda a semana passada na Bélgica, este foi o pior dia. Invernal como só Fevereiro pode oferecer. Céu de um pesado cinzento. Chovia arreliadoramente e persistentemente, não uma chuva torrencial mas antes uma fininha que se entranhava pouco a pouco na roupa até a encharcar. Estava frio, o vento incomodava, por vezes fustigando o rosto com a chuva. Uma frágil e efémera neve caía a espaços. As mãos saiam com dificuldade dos bolsos. Não era o melhor dia para conhecer Bruges mas ainda assim estava longe de ser o pior. Uma questão de optimismo. Ainda assim desencorajou o passeio de barco pelos canais mas não o calcorrear pela cidade. 
A cidade não estava cheia de turistas. E os poucos que se viam estavam mais dentro das lojas, onde o ar condicionado quente e abafado era mais convidativo, do que nas ruas.
Os canais e pontes sobre o rio salpicado pela chuva convidavam a uma travessia solitária. Ocasionalmente um barco vazio traçava a boçalidade das suas águas. As fachadas das igrejas acompanhavam o cinzentismo do dia mas sem embaraçar as suas arquitecturas.

A Grot Market, de piso empedrado e com o campanário de oitenta e três metros a dominá-la, é a maior praça e o centro histórico de Bruges para onde tudo conflui. Os principais restaurantes, cafés e chocolatarias estão aqui. Este é o melhor sítio para começar, ou acabar, uma ronda pela cidade.
A poucos metros está a segunda maior praça de Bruges: a Burg, antigo centro da decisão política da cidade. 


Entre os principais edifícios desta praça está a antiga Câmara Municipal de Bruges. 
Num canto, entre a Câmara e uma série de lojas menores de recordações, está a pequena e discreta, apesar da escurecida fachada gótica decorada com estátuas douradas, Basílica do Sagrado Sangue, onde alegadamente, os crentes assim o afirmam, se encontra, e se pode ver um pedaço de tecido com gotas de sangue de Jesus Cristo embebidas nele.

Conta a lenda, que o sangue foi recolhido directamente  do corpo de Cristo por José de Arimateia. Chega a Bruges via do Conde de Flandres Diederik van de Elzas que por sua vez terá recebido das mãos do rei Baldwin III, que participou na segunda cruzada com o objectivo, falhado, de conquistar Damasco.
Apesar da fachada gótica ser do século XVI, a basílica data do século XII. Tem a curiosidade acrescida de ser composta por duas capelas, uma em cima da outra, unidas por uma escadaria de pedra.
A capela inferior, por onde se entra tem o estilo simples, austero e contido do romanesco. 

A capela superior, onde se encontra a suposta relíquia de Jesus Cristo é o seu oposto. Construída no século XII, tal como a fachada, ela é caracterizada pelo estilo gótico. Exuberante, colorida, com pesados castiçais, um complexo altar, vitrais, com tectos e abóbadas profusamente pintadas, esta basílica, independentemente das crenças pessoais, é definitivamente um ponto a visitar.


Na saída da Burg está o canal Rozenhoedkaai, um daqueles locais que definem uma localidade. 
É aquele lugar que todos procuram fotografar, aquela imagem que prova a todo o mudo que estiveram em Bruges. 
As casas contornam a curva do rio parecendo que flutuam, que nascem dele. Em dias mais convidativos, é um daqueles lugares que vale apena apreciar com uma cerveja na mão.
Aqui é um dos pontos onde os barcos partem para os passeios pelos canais.


Simples, acolhedora, enquadrada por um canal e uma ponte, que lhe confere um ambiente romântico e sereno, está a Praça Jan van Eyck, dedicada a um dos pintores mais relevantes da escola flamenga. 
Apesar de não ter nascido em Bruges, mas sim em Maaseik, o famoso pintor passou boa parte da sua vida, e morte, nesta cidade. Foi em sua honra que a estátua, que segura na sua mão um pincel e na esquerda uma pintura emoldurada, foi erigida. 
A praça está vazia, ninguém procurava esta estátua. Um raro barco cruzou o canal sem se deter nela e dois locais passaram de bicicleta naquela atitude ausente e invisível de quem Jan van Eyck há muito faz parte da rotina diária.

Por detrás de mim, uma porta de madeira de um branco impecável é batida por uma senhora que sai apressadamente, bastante encasacada e enrolada sobre si própria, expondo-se o menos possível ao frio e ao vento. Estou quase sem sensibilidade nos dedos dolorosamente frios. 
Meto a câmara fotográfica por dentro do meu impermeável, as mãos nos bolsos, aconchego melhor a cabeça com o meu gorro e rumo à Grot Market. 


Regresso à estação de comboios onde várias horas antes tinha chegado.
Entre ruelas secundárias da cidade, de portas e janelas bem cuidadas, encontro uma que gostei particularmente, a porta nº 13 (a 15 era sua gémea) e uma bicicleta fora do seu sítio "normal" (a Hoogstraat) promovendo uma loja de artigos vintage, a Madame Mim.

Consulto a tabela dos horários. Cerca de uma hora para o comboio que me levará de volta a Gent.
Abro o casaco impermeável. Em pouco tempo, começo a sentir picadas nos dedos gelados. O calor e a sensibilidade estavam de regresso aos meus dedos.
Respiro fundo. Um chocolate quente e uma hora de espera vai saber bem. 













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