Depois de Relva, Monsanto faz-se anunciar, do lado direito da estreita estrada, por dois imensos penedos de granito encostados um ao outro pelos seus topos. Debaixo deles, um banco também ele de granito.
Segue-se a estrada acima e entra-se em Monsanto. Estaciono o carro na Praça dos Canhões. Em frente fica um conhecido café local, o Baluarte do Sr António Beatriz.
Há vestígios de presença humana em Monsanto já no paleolítico. A existência de castros (povoados fortificados) lusitanos remete para os finais da Idade do Bronze e transição para a Idade do Ferro - entre os 1000 e os 500 anos a.C - a consistência da presença humana nesta fortaleza natural.
Sabe-se que por aqui passaram inúmeros povos e culturas como os celtas, romanos, suevos e visigodos, árabes e templários.
Conquistada em 1165 por D. Afonso Henriques, passa, por seu desejo, para as mãos dos templários através do seu Grão-Mestre D. Gualdim Pais. Em 1174, o primeiro rei português dá a primeira carta foral a Monsanto, das várias que esta irá ter ao longo dos tempos.
Onde a história é longa, inevitavelmente há lugar para lendas.
Conta-se que no século II aC, por altura de um longo cerco de sete anos que os romanos terão imposto ao castelo, os sitiados a passar fome, terão atirado do alto do castelo uma bezerra para demonstrarem que comida não lhes faltava. Convencidos, e após estarem tantos anos no cerco e sem resultados, os romanos retiraram-se e este foi levantado.
No entanto nem só de história antiga ou de lendas vive Monsanto. Em 1938, num concurso, político, do Estado Novo, Monsanto é considerada a aldeia mais portuguesa de Portugal. O povo ignora os motivos desta atribuição e orgulha-se do epitáfio que ainda hoje sustenta (não houve mais concursos desde então), e que lhe valeu um galo de prata. Uma réplica dele é exibida no topo da Torre de Lucano, no centro da aldeia. O original está na posse da autarquia. No ano de 1995, passa a integrar as 12 Aldeias Históricas de Portugal.
Duas ilustres personagens da nossa cultura recente também deixaram as suas marcas no granito desta aldeia histórica: Zeca Afonso e Fernando Namora.
Em 1969, Zeca Afonso compra uma discreta e exígua casa com objectivo de ter um local de inspiração e descanso mas também, e se necessário, para poder esconder quem precisasse o antigo regime ainda era um hábito. Contudo tal não chegou a acontecer. Zeca não chegou a recuperar a casa e até ao momento esta encontra-se nas mesmas condições em que foi comprada. Desde essa altura que há intenção de a transformar numa casa museu. E ainda não passou delas.
A presença de Fernando Namora foi mais activa e duradoura. Chega a Monsanto aos vinte e quatro anos. Próximo do arco da entrada para a vila, na rua que passa debaixo dele, está a casa onde morou. No centro da aldeia, na Rua das Fráguas, encontramos o seu consultório onde exerceu medicina entre 1944 a 1946.
Dos monsantinos, o médico escritor e poeta descreveria-os como um povo "soturno, endurecido a subir e descer abismos". Não será de todo a sensação que se ficará deles. Com o correr das décadas, com a chegada do turismo, as gentes monsantinas tornaram-se pessoas de conversa fácil, de sorrisos e comprimentos espontâneos.Calcorrear Monsanto é uma descoberta. As ruas são estreitas, por vezes íngremes e algo labirínticas. Estão frequentemente mergulhadas nas sombras que os blocos graníticos impõem ao bloquear o sol. As casas fundem-se e confundem-se nos penedos que as abraçam.
Ruelas pouco evidentes obrigam-nos a abaixar e a contorcer-nos por entre o granito que obstrui parte delas. Conduzem-nos a largos, recantos e a outras passagens insuspeitas por quem ultrapassa o descuidado pensamento que por ali não deve haver nada.
As casas estão cuidadas e percebe-se que existe orgulho e atenção nas construções e recuperações.
As casas estão cuidadas e percebe-se que existe orgulho e atenção nas construções e recuperações.
Os caminhos de Monsanto também nos levam percorrer o seu profundo lado religioso. Existem inúmeras igrejas: a Igreja Matriz (ou Igreja de São Salvador), a penas alguns metros acima do a Igreja da Misericórdia (no seu enfiamento está a Torre de Lucano), no topo rochoso de Monsanto encontramos o solitário Arco da Capela de São João - o que sobra das suas ruínas e ao mesmo tempo um miradouro - e a capela de São Miguel do Castelo. Fora da aldeia, a cerca de seis quilómetros, está a capela São Pedro de Vir-a-Corça, também ela dona da sua lenda.
Pergunto-lhe como foi para uma tailandesa sair do seu país para ir para outro país, outra cultura e outro ritmo, especialmente quando se vive numa aldeia isolada e com alma de pedra.
Sorri e explica: "Ainda está a ser difícil, mas começa a habituar-se."
A minha verdadeira curiosidade eram as bonecas. Que significado tinham, como se chamavam. Rui começa a explicar: "São bonecas de trapos feitas à mão, de vários tamanhos, tendo no seu interior uma cruz. Têm a curiosidade de o seu rosto não ter olhos, boca, nariz e ouvidos. Para além de protegerem contra as trovoadas, estão também ligadas à fertilidade e à protecção contra o mau olhado. Devem ser colocadas debaixo da cama dos recém casados. Por não terem olhos, ouvidos e boca, elas não ouvem, não vêem e não falam."
Sorri e explica: "Ainda está a ser difícil, mas começa a habituar-se."
A minha verdadeira curiosidade eram as bonecas. Que significado tinham, como se chamavam. Rui começa a explicar: "São bonecas de trapos feitas à mão, de vários tamanhos, tendo no seu interior uma cruz. Têm a curiosidade de o seu rosto não ter olhos, boca, nariz e ouvidos. Para além de protegerem contra as trovoadas, estão também ligadas à fertilidade e à protecção contra o mau olhado. Devem ser colocadas debaixo da cama dos recém casados. Por não terem olhos, ouvidos e boca, elas não ouvem, não vêem e não falam."
Comprei umas quantas para dar e fiquei com uma para mim.
Antes de entrar no carro espreito uma vez mais o miradouro da Praça dos Canhões. Há poucos turistas em Dezembro e tal como os dias anteriores este também é um dia de sol.
O futuro da aldeia parece estar assegurado. Não padece da desertificação que a maior parte das pequenas aldeias (históricas ou não) sofrem. Tem uma população activa permanente, até jovem, que tenciona manter as tradições e dar a vitalidade necessária para poder enfrentar sorridente as próximas décadas.
Se, mais uma vez, o turismo massificado não a desvirtuar, parece eterna e capaz de sobreviver à eternidade. Os seus penedos de granito, mudos, continuarão a sustentar o tempo em cima deles sem que este os desfaça, fissure ou revele os segredos e histórias milenares.
O futuro da aldeia parece estar assegurado. Não padece da desertificação que a maior parte das pequenas aldeias (históricas ou não) sofrem. Tem uma população activa permanente, até jovem, que tenciona manter as tradições e dar a vitalidade necessária para poder enfrentar sorridente as próximas décadas.
Se, mais uma vez, o turismo massificado não a desvirtuar, parece eterna e capaz de sobreviver à eternidade. Os seus penedos de granito, mudos, continuarão a sustentar o tempo em cima deles sem que este os desfaça, fissure ou revele os segredos e histórias milenares.
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