Crónicas da Turquia - Turquia e a União Europeia



Quando em finais do ano passado decidi viajar para a Turquia, eu pertencia ao grupo dos que pensavam que não fazia sentido a sua integração na União Europeia (UE).
Tal como esse grupo, eu invocava principalmente duas razões para que tal não acontecesse: o facto de a esmagadora maioria do território turco se localizar na Ásia e não na Europa e a religião largamente dominante ser o Islão.
Após alguma pesquisa percebe-se que o primeiro argumento não faz sentido porque a ilha de Chipre pertence à UE e esta ilha é completamente asiática situando-se inclusivamente mais para oriente que a própria capital turca - Ankara.
Além que a UE não define quais são os limites da Europa sendo vaga neste aspecto e concedeu à Turquia o estatuto de candidata à União Europeia em 1963, não tendo portanto muitos argumentos para recusar a sua entrada com base na sua localização geográfica.

O Islão pode de facto ser potencialmente um problema dado o histórico violento e terrorista que a sua vertente fundamentalista/ radical tem demonstrado e causado um pouco por todo mundo. Mas também aqui a integração na EU pode ser uma vantagem.
Estima-se que a Europa acolha cerca 12 milhões de muçulmanos dentro das suas actuais fronteiras além que assume a liberdade religiosa nos seus artigos que presidiram à sua fundação não sendo portanto um "clube" exclusivamente cristão.
Mas do meu ponto de vista creio que a não integração da Turquia com base numa "Islamofobia" seria talvez a pior das razões. Porque estaríamos a isolar e excluir o Islão e ao fazer isto estamos igualmente reforçar e a dar razão à facção radical em vez de apoiar o Islão moderado e secular. Mas indo para além disso. A entrada da Turquia poderia servir como bandeira para
outros países muçulmanos que sentem na "pele" o crescimento da vertente radical no seu interior e ser uma maneira indirecta de favorecer e promover os seus governos islâmicos ou pró islâmicos mais moderados.

O terceiro argumento que se pode invocar é a sua pobreza, pouco respeito pelos direitos humanos e liberdade de expressão. Sem esquecer o diferendo sobre Chipre. Este é um argumento objectivo.

A ilha de Chipre é um assunto sensível e de difícil resolução. Os turcos, que ocupam o lado norte da ilha e historicamente reivindicam a ilha para si, não reconhecem a República Chipre (lado sul/ divisão grega) e não lhes abrem a sua economia. Por sua vez Chipre enquanto membro europeu tem poder de veto nas negociações, por isso é fácil perceber
que isto pode ser um entrave sério à entrada turca na Europa.
Mas como a eventual entrada turca não será nos próximos anos e há quem defenda que tal não acontecerá nos próximos 10/ 15 anos (talvez mais), isto daria tempo suficiente para a Europa trabalhar estes pontos com a Turquia e sanar estas questões.
A pobreza é algo que verdadeiramente não é um problema apesar de arrepiar os cabelos aos ministros da finanças, dado as elevadas quantias que a União Europeia teria transferir para a Turquia. Mas Portugal e alguns dos países do leste da Europa também não foram baratos nem pêra doce aquando da sua entrada para a Europa. E ainda não estão a ser.

Mas talvez as maiores reticências para a integração da Turquia na Europa não sejam as três que estão escritas acima mas talvez a que está escrita mais abaixo.

Essas reticiências são a sua dimensão geográfica e o tamanho da população. A Turquia impressiona. Aproximadamente com 71 milhões de habitantes, representaria cerca de 15% da UE e dentro de poucos anos ultrapassaria a Alemanha no poder de voto e capacidade de decisão no seio da União Europeia.
Pessoalmente creio que é aqui que se situa o maior óbice da Turquia. A Alemanha não vai querer que um país longínquo, literalmente situado na periferia da Europa a ultrapasse (mais a sua parceira de eleição, a França) no poder de decisão europeu.
Mas mesmo assim seria apenas mais um país num conjunto de talvez 30 países, isto admitindo que UE continuaria a alargar até à eventual entrada da Turquia. Ou seja, haveria uma certa diluição do seu peso político no clube europeu. Este será o argumento mais difícil de resolver.

Curiosamente os turcos que já se entusiasmaram com a possibilidade da adesão à União Europeia começam gradualmente a interrogar-se se valerá a pena fazê-lo. Será que a Turquia precisa da Europa ? Ou não é mais a situação oposta ? Dentro da própria Europa há quem pense da mesma maneira.

Agora que conheço "in loco" a Turquia, gostava de a ver no clube europeu.
Seria uma lufada de ar fresco na vetusta Europa.


Alguns links sobre o tema

http://jpn.icicom.up.pt/2004/11/25/turquia_na_ue_os_contras.html

http://jpn.icicom.up.pt/2004/11/25/turquia_na_ue_os_pros.html

http://www.presidencia.pt/archive/doc/Turquia_20040918_1_The_Economist.pdf


Nacionalidades das bandeiras (fonte Google Imagens) de cima para baixo:

Turquia, Chipre e União Europeia

Comentários

  1. Concordo contigo.
    Mas queria deixar uma pequena nota de rodapé. No dicionário europeu, "laico" significa "cristão" (pena que os líderes europeus não o assumam - a moda do politicamente correcto persiste...). A entrada da Turquia na CE, a acontecer, será certamente motivada por questões geo-estratágicas. Energéticas, para ser mais concreto (acesso ás riquezas naturais do Cáspio e do Médio Oriente, diminuindo a influência/dependência europeia perante a Rússia).
    Politiquices...

    /Augusto

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