Belize, Caye Caulker (II) - experiências de uma vida


O Belize tem a maior barreira de coral do hemisfério norte e a segunda do mundo logo a seguir à Grande Barreira de Coral da Austrália.
Em Caye Caulker no que respeita actividades que a ilha oferece podem ser de dois tipos: acima da água ou abaixo dela.
Acima, cruzeiros pelas ilhas, kitesurf, windsurf, kayaks, pesca. Abaixo, mergulho e snorkeling.
Eu não tive dúvidas. Desde sempre que a água foi um elemento natural para mim.
A escolha foi fácil e óbvia. O caminho era para debaixo de água.

A reserva marinha Hol Chan, Shark Ray Alley e os Coral Garden são pontos obrigatórios para quem opta pelo "abaixo de água".
A RaggaMuffin é um dos vários operadores credenciados que levam turistas para a reserva marinha. Estava bem referenciada pelo meu guia LP e igualmente bem localizada na Front Street. Foi a escolhida.
Um pequeno briefing de apresentação, noções de segurança, conselhos de utilização do equipamento de snorkel, definição de códigos de conduta e respeito pela área protegida da reserva marítima.

Subi a bordo do Ragga Gal, um pequeno veleiro amarelo vivo e linha de água pintada a azul, segurando nas mãos as maiores barbatanas que a RaggaMuffin tinha, um snorkel e muitas expectativas.
Segundos depois tinha o Mar das Caraíbas a preencher-me o horizonte. Salpicos no rosto, brisa a passar pelos cabelos e uma vela branca bem enfunada a funcionar de chapéu de sol. Três paragens aguardavam-me.


Coral Gardens

Primeira paragem, primeiro mergulho com snorkel e os primeiros pirolitos a entrarem pela boca.
Nada de mais. Apenas uma questão de hábito.
Poucos metros abaixo de mim desenrolava-se um imenso tapete castanho escuro dos corais, manchado aqui e ali por algumas clareiras de areia. Alguns deles estavam a apenas alguns centímetros da superfície. Não tocar nos corais foi uma das regras mais bem marcadas no briefing de apresentação.
A variedade da vida aquática dos recifes de coral é espantosa. Tenho a sensação que alguém com uma palete de cores fortes e saturadas, andou a pincelar peixes de todas as formas e feitios alegremente e aleatoriamente, sabendo que qualquer cor que fosse usada iria sempre resultar bem. Pretos carregados, azuis de envergonhar o céu, amarelos forte, rosas quase florescentes e verdes muito verdes nadavam nervosamente às guinadas apenas a alguns centímetros do meu corpo.
Duas formas inconfundíveis, alongadas, de cor cinzenta, elegantes e ligeiramente achatadas surgiram à minha frente. Olhos pretos bem brilhantes, cauda longa com barbatanas peitorais e dorsal trianguladas não enganam ninguém. Era a primeira vez que nadava com tubarões dos recifes. Inofensivos. Pouco tempo depois observava uma nuvem de areia a formar-se e a levantar-se no fundo do recife devido ao agitar das "asas" de uma raia a esconder-se sob a areia.
As minhas expectativas estavam plenamente confirmadas. Subi a bordo sorrindo e o Ragga Gal partia para a segunda paragem.


Shark-Ray Alley

À chegada o guia começou a deitar isco para água. Curioso, espreitei para a água e apenas segundos depois chegava uma raia, logo seguida de outra, logo seguida de muitas.
Belas e graciosas as raias voavam de um lado para o outro debaixo de água mostrando o seu dorso negro e ventre branco. Entrei na água suavemente para não as espantar. Fiquei rodeado por elas. A curiosidade e o isco deitado à água unia-as. Uma tocou-me com as suas asas abaixo do joelho, um toque gentil e suave mas claramente um toque. Segundo voo, segundo toque. Nas pernas a roçar os meus calções. Rodeou-me por trás e voltou aproximar-se. Desta vez a centímetros no meu peito, desta vez olhos nos olhos. As suas asas tocaram os meus braços. O meu coração batia tão forte que ela deve ter ficado surda. Cautelosamente avancei. Senti-lhe o dorso negro e depois o seu ventre branco. Gelatinoso, irreal. Parecia borracha texturada muito macia que se adaptava ao toque dos meus dedos. Estendo os meus braços para ela num contacto franco e aberto. Eles praticamente desapareceram, escondidos pela sua envergadura. Um contemplativo abraço inter-espécies. Deixou-se estar, imóvel e confiante. Diria que repousava e que gostava. Um ligeiro abanar das suas asas, talvez um adeus e partiu.
Desta vez foi completamente atordoado com esta experiência que regressei ao veleiro.


Hol Chan

Foi a terceira e última paragem. Hol Chan é um canal natural aberto nos recifes com profundidade média entre 9 a 10 m.
Nas "margens" deste canal temos o fundo coberto de corais e algas verdes, no canal existe apenas um fundo coberto de areia branca que produz um contraste visual bastante grande e abrupto. Uma cicatriz branca numa irregular pele verde.
É um festim para os olhos em termos de diversidade de vida marinha e que pulula à nossa frente.
Raias, barracudas, moreias verdes, tubarões dos recifes, crustáceos e peixes, montes de peixes coloridos. Cardumes até. Tudo passa por nós, tudo nada connosco.
O melhor foi sem dúvida mergulhar lado a lado em apneia a poucos centímetros com uma pachorrenta e indiferente tartaruga verde e ver uma moreia verde de mandíbulas meio abertas serpenteando por baixo de mim e dando-me um olhar de soslaio.

De novo no veleiro e já de regresso a Caye Caulker, o fim da aventura foi comemorada com doces e salgados preparados pela tripulação do Ragga Gal e regados com rum punch. Uma muito fresca mistura de rum com diversos sumos de fruta natural. Da minha parte foquei-me mais no rum punch. Fiz muitos brindes. Brindei à minha raia, à moreia verde, aos tubarões do recife e à tartaruga que nadou comigo. Brindei ao recife e aos seus coloridos habitantes. Brindei alegre e jovialmente depois a tudo aquilo que me lembrasse...
À noite, todos eles apareceram nos meu sonhos embalados por um quarto ainda rodopiante.


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