Texturas de África (Zimbabwe II) - gigantes de seda

Ganja

O Zimbabwe ("casa de pedra" na língua nativa chona), antiga Rodésia do Sul, é tristemente célebre.
Tem um dos ditadores - Robert Mugabe - mais antigos em funções, desde 1980, que tem delapidado a riqueza do Zimbabwe.
É uma das piores economias do mundo com uma inflação que custa a creditar que seja possível. Em 2008 a inflação era medida na ordem dos milhões percentuais (!).
A esperança média de vida do país é cerca de 44 anos, com um terço da população a passar fome e mais de 1 milhão de infectados com SIDA.
Graças a um governo de salvação nacional formado em 2009 com partilha de poderes entre o presidente Robert Mugabe e o primeiro-ministro Morgan Tsvangirai e com a troca da moeda nacional, o Zimbabwe viu a sua inflação baixar dos mais de 2 milhões % (oficiais) em Julho de 2008 para pouco menos de 5% em Abril deste ano.
Isto talvez explique a esperança que Dean deposita no seu país e na mudança para uma democracia efectiva.

Dean situa-se socialmente bem acima da restante população. Jovem, formal, educado e com formação superior em vida selvagem tem a ambição de um dia vir a gerir um parque natural.
Actualmente é um ranger florestal que tem a seu cuidado os elefantes que proporcionam uma das actividades mais bem sucedidas que a pequena cidade de Vic Falls tem para oferecer a quem a visita.

Antes de iniciar o passeio de elefante partilha comigo o pequeno almoço de cortesia que esta actividade oferece. Partilhou igualmente o seu conhecimento sobre os elefantes. São animais que podem chegar aos 60 anos. Aprendi que podem ser canhotos ou dextros.
Ao contrário de nós os elefantes são maioritariamente canhotos. Ao meu esgar de surpresa, Dean sorriu e explicou que nos canhotos, a presa mais gasta é a esquerda, enquanto que nos dextros é a direita que se desgasta mais. Curioso, guardei a informação para posterior confirmação.
Perguntei-lhe se os famosos cemitérios de elefantes existiam. Diz que nunca viu nenhum e explicou que regra geral um elefante, quando pressente a sua morte procura se possível, um local perto de um rio para poder beber e morre de inanição sem poder comer por ter os dentes tão gastos que já não retira os nutrientes suficientes para sobreviver. Segunda surpresa e desta vez bem grande. Um elefante, afinal morre de fome!

Ainda atordoado com a revelação a conversa fluiu fácil entre elefantes, Zimbabwe e o estilo de vida em Portugal.

Chegaram. Já tinha o meu destinado. Era o maior de todos. Chama-se Ganja e tinha Enok, o guia de gorro vermelho Adidas já no seu dorso.
Ao subir, senti a sua pele espessa e áspera com uma lixa. Chega aos 2.5 centímetros de espessura, por este motivo são chamados paquidermes.


A um comando de Enok, Ganja pôs-se em movimento.
Para um animal que em média pode atingir mais de 6 m de comprimento, cerca de 4 m de altura e pesar aproximadamente 7 toneladas, um elefante tem uma delicadeza inacreditável.
O seu caminhar é suave e delicado como seda. Leve e quase inaudível. Pisam ramos sem praticamente os ouvirmos. Literalmente caminham com almofadas gelatinosas nas patas que absorvem qualquer ruído que possam produzir. Caminham sem esforço e os desníveis são vencidos com um mínimo de balouçar do seu imenso corpo.

Na Namíbia, no PN Etosha os elefantes já me tinham surpreendido. Nas várias horas e madrugadas que passei nos charcos a ver os animais beber, os elefantes sempre foram os mais silenciosos a chegar. Raramente eram ouvidos, apenas os víamos na aproximação aos charcos.

Constatei que realmente era a presa esquerda que ele usava para partir ramos e arrancar pequenos arbustos. Este meu elefante seguia a moda e portanto era um canhoto.
Pelo caminho fui-lhe dando mimos, previamente dados por Enok. Ganja esticava a tromba para trás, bem para além da sua cabeça, na minha direcção e literalmente aspirava suavemente o que tinha na minha mão.

A tromba não tem paralelo no mundo animal. Estima-se que possua cerca de quarenta mil a cem mil músculos. Tanto acaricia a mão de quem o trata bem como pode com facilidade destruir e arrancar uma árvore com vários centímetros de diâmetro. Pode ser terna e pode ser mortal. Respiram, alimentam-se e comunicam através dela. É um membro extraordinariamente sensível e, simultaneamente o seu calcanhar de Aquiles na imensa armadura que é o seu corpo. Dá-lhes aquele toque de magia exótica que todos nós reconhecemos e gostamos.

No final do passeio pude alimentá-lo e estar um pouco com ele.
Comparei-o a um bichano. Com a diferença que não se pode por ao colo. Suave e gentil. Com um olhar pestanudo, meigo, cheio de paciência e sabedoria.
Enok, disse-me que se eu voltasse daqui a cerca de cinco anos, Ganja iria reconhecer-me. Gostei de saber isso.
Ter um bichano como um elefante a lembrar-se de mim durante os próximos 5 anos fez-me sentir bem.
Espero que encontre um local bonito cheio de água fresca quando a sua hora chegar. Torço por ele.


fotografia de topo - Dean


fotografia intermédia - Enok, o guia de gorro vermelho e eu montando Ganja


fotografia de fundo - Eu e Ganja



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