Camboja - o Sr José Boas


Entro em modo de viagem quando após a decisão do destino começo a fazer as mochilas. Mentalmente a viagem inicia-se aqui.
Mas é no táxi que me leva ao aeroporto que verdadeiramente a viagem começa. Olho pela janela do táxi e vejo as pessoas e os outros carros a passarem por mim como um prólogo da viagem que tenho pela minha frente.
Os taxistas são homens que já viram muita coisa da vida. Para eles, a vida passa pela janela do seu táxi e medem-na em quilómetros. São de conversa fácil com boas estórias para contar.

O Sr José Boas é um desses homens. Tem 64 anos e é taxista há mais de 30 anos.
Para segunda semana de Setembro ainda estava muito calor, trintas e tais graus.
"O tempo já não é o que era. Não percebo quando começa uma estação começa e acaba outra". Comentou filosoficamente. Naturalmente assenti e deixei-o continuar.
"Quando tinha sete anos, lembro-me de no Inverno assistir a minha mãe a partir o gelo do tanque com um grosso pau para poder lavar a roupa. Agora já não temos Invernos como antigamente". Olhou para mim e concluiu:  "Agora é tudo igual. O clima está a mudar".
Aquela do tanque ficou a bailar-me na cabeça. Pensei que seria uma daquelas famílias que vieram do norte nas décadas de 40 e 50 para a grande cidade. Perguntei-lhe se era do norte. Sem tirar os olhos da estrada, respondeu que não. Era dos Olivais e que na sua altura aquela zona de Lisboa era apenas árvores, hortas e caminhos de terra batida. "Nem alcatrão havia".
Claro. Os Olivais nos anos 40, ainda era na essência uma local rural, longe do seu bulício actual. E uma máquina de lavar roupa, na altura, era apenas uma miragem longínqua.

Mas curiosamente, esta preocupação e constatação da alteração do clima do Sr José Boas, iria encontrá-la de novo, algumas semanas mais tarde, numa pequena cidade cambojana chamada Kampot.

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