Camboja - Phnom Penh (IV)


Impressões de uma cidade

Estou naquela letargia e paz mental que só as horas do fim do dia conseguem transmitir.
Indolente, vejo a cidade a passar à frente dos meus olhos.
Por cima de mim, o fim da estação das chuvas ainda faz a chuva bater forte no toldo da esplanada. Ajuda a cadenciar os pensamentos da despedida da cidade de Phnom Penh.
Digo adeus a esta cidade da mesma maneira como lhe disse olá: debaixo de chuva.

No meu moleskine preto, rabisco as minhas últimas impressões e passo os meus olhos pelas rápidas anotações feitas ao longo de pouco mais de uma semana.
Elas resumem a cidade e as memórias que levarei e perdurarão em mim.

Menciono a estridência de uma massa de trânsito que desloca em duas rodas,
Tenho referências à Sisowath Quay, as suas happy hour e aos cocos bebidos nas margens do rio Mekong e Tonle Sap. Estão marcadas com vários sinais mais. São merecidos.
Anotei que as aranhas fritas têm um sabor macio, que os grilos pouco sabem, as rãs sabem a petinga e que os crocantes escaravelhos não sabem a nada.




Uma frase caracteriza a "minha" rua, a 178. "Colorida a aguarelas, manchada pelo pó da pedra esculpida e atapetada pelas aparas castanhas de quem trabalha a madeira".
Uma nota para a chuva - "regular companheira do fim de tarde. Rápida, incisiva e quente". Tal como mandam as regras da estação chuvosa nos países tropicais.

Leio alguns nomes das várias lojas, restaurantes e ONGs de ajuda humanitária que se podem encontrar em Phnom Penh e um pouco por todo o país: FriendsDaughters of CambodiaRajana e o Starfish project.

Anotei igualmente a espantosa crueldade do regime de Pol Pot que se repercutiu e marcou indelevelmente todo um país e um povo.
Com um smiley sorridente, observei que os polícias descalçam-se nas horas de calor, protegem-se do sol nas sombras dos jardins e das estátuas e comem em pequenos tachos que trazem de casa. Agachados, claro.
Escrevi també que "os monges traçam as ruas de laranja com as suas túnicas".



Mencionei igualmente a opulência do Silver Pagode e dos seus Budas.

Outra frase afirma - " hoje vi Sam Bo, o velho elefante de Wat Phnom rodeado de carros a arrastar-se indiferente pela Sisowath Quay" e acrescento mais abaixo a conclusão - "É uma visão triste e deslocada".
Desta vez no fim da frase coloquei um smiley triste.

Sorrio quando comparo os inúmeros tuk tuks a enxames de pequenas abelhas que porfiam à volta de turistas à procura do seu mel, o dólar. Bem verdade.
As última anotações adjectivam a cidade: vibrante, caótica, genuína, activa, suja, mas digna.




Certamente que será uma cidade cujo peso no sudeste asiático aumentará muito rapidamente. Garantidamente que o turismo irá procurá-la cada vez mais. Aliás, todo o país se está a orientar para o sector do turismo. Será a sua tábua de salvação e simultaneamente de perdição e descaracterização.

Acabo o sumo. Pago, olho a chuva que já cai há cerca de duas horas, puxo o capuz do impermeável para a cabeça e meto as mãos nos seus bolsos. É a minha vez de a enfrentar.
Amanhã parto para Battamang.


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