Egipto - O Sr Carlos Fragatana


O Sr Carlos Fragatana é um crente convicto.
Vai à missa diariamente sempre que pode. Confessa-se regularmente e cumpre escrupulosamente a ida à missa do domingo. Também não trabalha neste dia. "É o Dia do Senhor" explica.
O interior do seu táxi espelha bem as suas convicções.
Pendurado no retrovisor tinha um terço. Um crucifixo e uma nossa senhora de véu azul e de ar cândido estavam em cima do tablier. Do meu lado, tinha lado a lado a oração Pai Nosso e uma fotografia de Bento XVI, ambas coladas na tampa do porta-luvas. Ficava apenas a faltar a caixa de esmolas e uma velinha acesa.

O Natal ainda distava cerca de duas semanas, mas o Sr Carlos perguntou-me se ia passar o Natal ao Brasil ou à República Dominicana. Destinos vulgares de quem ele transportava para o aeroporto.
"Egipto" respondi eu. De sobrolho meio levantado e desconfiado olhou para mim durante alguns segundos e concentrando de novo a sua atenção na estrada disse paternalmente: "Sabe, esses são muçulmanos. Não acreditam em Deus e não comemoram o Natal".
"Sim, sei disso”. Parecendo ignorar a minha resposta e falando como se estivesse sozinho, a meia voz sentenciou-os: “Terroristas hereges”.
Disse-lhe que a esmagadora maioria dos muçulmanos, tal como os cristãos, eram muito tolerantes a outros credos e que não se podia generalizar o conceito de terroristas a todos os muçulmanos.
Contrapôs lembrando os ataques do 11 de Setembro, os bombistas suicidas, as lapidações, o uso da burca e atentados terroristas que já ocorreram no passado recente no Egipto.
Não quis enveredar por uma discussão à partida estéril com o meu taxista a meia dúzia de quilómetros do aeroporto.
Mas guardei na memória o conselho dado pelo Sr Carlos à chegada ao aeroporto enquanto me desejava um feliz Natal: "O Sr devia ter escolhido o Brasil".


No entanto duas semanas depois, um atentado em Alexandria matou cerca de duas dezenas de cristãos coptas. 
Certamente que reforçou a raiva deste taxista em relação aos muçulmanos e simultaneamente acentuaria as preocupações de um imã que conheci no oásis de Siwa, que me perguntou curioso e algo preocupado, se para os portugueses o Islão era sinónimo de terrorismo.
Sosseguei-o dizendo que não.


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