Egipto - uma opinião muito pessoal

Por muitos, o Egipto é considerado um destino de sonho. Não o foi para mim.
Tem história, tem uma imensa cultura ancestral, tem paisagens extraordinárias e tem um rio literalmente mítico: o Nilo. Mas no entanto é um país incompleto. Falta-lhe orgulho. Falta-lhe receber bem quem o visita. Falta-lhe ir mais além do "welcome to Egypt", falta-lhe concretizar essa saudação de boas vindas que se ouve frequentemente e espontaneamente nas ruas.
Falta-lhe olhar o turista, olhar quem viaja, como tal e não como um saco de dinheiro pronto e à espera de ser extorquido. Independentemente de sabermos que nos encontramos num país do norte de África e que portanto o negociar é um quase um modo de vida.

Todo o país é sujo. Em muitos locais é mesmo imundo. Desnecessariamente imundo. Nas cidades, no final do dia caminha-se por entre o lixo. Dão-se pontapés em latas, desviamo-nos de vegetais atirados dos mercados para a rua, sacudimos os pés para nos vermos livres de sacos plástico enrodilhados neles, pisamos caixas de cartão de pequenos electrodomésticos vendidos ao longo do dia.
Os transportes públicos consolidam esta imagem, excepção feita ao metro na cidade do Cairo.
Ao longo da viagem entre Cairo e Assuão, cerca de 13h de comboio nocturno, e por aquilo que uma janela tão suja que podia ser raspada, deixava entrever, vi canais de irrigação abertos a partir do Nilo, com longas e densas esteiras de lixo a sobrenadar a água e casas com dezenas de sacos de lixo atirados para as traseiras.
Em Luxor, de manhã, vi rebanhos de ovelhas literalmente a correrem alegremente para as lixeiras acumuladas nas ruelas secundárias e a competirem entre si pelos melhores montes de lixo.

É um país dotado de um legado cultural de uma riqueza e dimensão quase insana e no entanto não o promove, não o respeita e não o defende.
Os seus símbolos que o definem e o tornam mundialmente reconhecido estão em risco de desmoronamento e colapso.
As Pirâmides e a Grande Esfinge são a prova máxima disso.
Eles resistiram e assistiram a cerca de 4500 anos de história humana. Mas as próximas décadas poderão ser as últimas, se não se tomarem medidas sérias de preservação.
A gigantesca afluência de pessoas ao recinto, a vibração dos autocarros, a pressão urbanística e a poluição ambiental estão a destruir rapidamente um dos legados mais incríveis da humanidade.

Os animais são maltratados e mais uma vez desrespeitados. A crueldade é evidente nos animais de trabalho.
Cavalos, burros, camelos é frequente coxearem, andarem com feridas abertas e cheios de cicatrizes. Magros. Vergastados e chicoteados desnecessariamente, quase pelo vício e hábito de o fazer.
Em Siwa, Mohamed Fawzy, dono de uma pequena galeria de arte, dizia-me que os miúdos com quatro e cinco anos agarravam em paus com as duas mãos e batiam nos burros, com eles parados com toda a força que tinham. Ele próprio tinha um projecto de educação pela arte, envolvendo os mais novos, para mudar mentalidades.

Quando viajo tento sempre despir a minha cultura europeia, retirar os óculos de civilização ocidental e ver o país que me acolhe o mais possível com olhar local.
Mas admito que não consigo e falho claramente nesse objectivo quando o respeito pelo animal e por uma cultura multimilenar são tão abertamente violentados.

O que me chocou no Egipto até não foi o descrevi acima. Foi a clara sensação de ser algo que podia e pode ser evitado. Não é uma questão cultural, é de atitude. É indiferença.
Para um país que vive muito do turismo, tratar da sua imagem, das suas cidades, da sua história, da ancestralidade e suas tradições deveria ser uma das suas grandes preocupações e apostas.

Não sendo um destino de sonho é no entanto um destino mandatório para quem viaja. É um carimbo obrigatório em qualquer passaporte. É um destino cliché.
Daqueles destinos que eu tinha que concretizar, que cumprir.
Mas onde senti pela primeira vez desde que viajo, alívio por me ir embora.



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