El Salvador, Suchitoto I - um bolero quente ao som do calor


Cheguei à capital de El Salvador, San Salvador, vindo de Léon, Nicarágua.
Seis horas até San Salvador num Tica Bus e depois meia hora - razoavelmente bem negociada - de táxi. Também havia a opção de apanhar uma carreira regular até lá, mas o táxi do Sr Fuentes estava ali à mão e isolado da confusão. Seria o seu último e melhor serviço nesse dia.

O meu destino, Suchitoto, a cerca de 47 km a norte de San Salvador é uma pequena vila de arquitectura marcadamente colonial, de ruas de paralelepípedos, com a Plaza Centenario dominada pelo branco da Igreja de Santa Lucia e por uma fonte redonda, a marcar a vida e a geometria nesta vila.

O meu guia de viagem diz que significa lugar de "pássaros e flores" e que a cidade foi fundada em 15 de Julho de 1858.
A sua fundação é atribuída às tribos indígenas Pipil durante o século XI. E tal como o restante país, passou e foi devastada pela guerra civil de 1980 a 1992.
Diz também que devido à proximidade com a capital, muita gente faz de Suchitoto um refúgio de fim de semana. Fiz as contas. Estou a chegar numa quarta e estou de partida no próximo sábado de manhã. Isto significa que terei a cidade só para mim nos próximos três dias. Calhou bem portanto.




Há quem a compare a Antigua, na Guatemala, com a única diferença de não ser tão turística. Concordo.
Ambas as localidades caracterizam-se pelas suas ruas empedradas, pelo colorido dos edifícios, por serem locais amigáveis em que o viajante se sente bem, confortável e em casa.

Suchitoto é mais mundana e autêntica. É possível assistir ao calmo decorrer da vida da pequena cidade. As escolas funcionam, os seus habitantes entram e saem das mercearias, conversam nas ombreiras das portas, desempenham as suas tarefas do dia a dia sem serem perturbados por um turismo não tão presente e ocidental como em Antigua.




Se em Portugal o mês de Fevereiro representa chuva e frio, aqui vivem-se intensos dias de calor. Nota-se a quase ausência, um adormecimento da vida nas horas mais quentes do dia.
As pessoas estão recolhidas na hora do calor. Sentadas em cadeiras de plástico branco debaixo das ombreiras das portas ou nas mesas de madeira das pequenas esplanadas protegidas. Um empregado com os mãos e pés cruzados está encostado à porta do hotel Las Puertas, um hotel estrategicamente situado mesmo em frente à igreja.

A praça e os seus bancos de jardim, está vazia, apenas cruzada por um cão que trota arquejando em busca de uma sombra ou por alguém que vai roubar mais uma fotografia à igreja.
Na periferia da praça, do colorido lado direito estão os pequenos bares, cafés e cibercafés. Do lado esquerdo encontram-se as lojas de artesanato e galerias de arte.
Numa dessas lojas, uma potente aparelhagem de som debita à canícula músicas de intervenção, merengue e lentos boleros, tocados por guitarras sabiamente dedilhadas. Parece até ser a única coisa que se sobrepõe ao calor.
Poucos minutos depois eu entraria nessa loja e comprava o cd que na altura tocava merengue e os boleros. Ainda hoje, cerca de dois anos depois, é uma das minhas escolhas musicais preferidas para os quentes dias de verão.
Aprecio a sombra da esplanada ao mesmo tempo que enfrento o calor com uma gelada Pilsener, uma cerveja salvadorenha.

Deambulo pelas ruas paralelas à praça. Encontro o mesmo cenário. Ruas calmas e quase desertas. Cruzo-me com alguns estudantes fardados, talvez a caminho do almoço e uma ou outra pequena mercearia aberta. Vejo o coreto do parque San Martin. Próximo, descubro uma galeria de arte que exibe uma pequena exposição de fotografia dedicada a Suchitoto e às suas paisagens e gentes. A cascata Los Tercios e o lago Suchitlan, dois marcos paisagísticos de Suchitoto, são as melhores fotografias.
Passo pela discreta fachada do bar El Necio, um dos mais conhecidos e referenciados bares de Suchitoto. Um local a conhecer mais tarde.

Enveredo por umas ruelas secundárias e poeirentas e encontro o Sr Luís. Cumprimenta-me simulando que tira o chapéu branco de abas que lhe protege a cabeça e os olhos do calor e da luz intensa do dia.
O Sr Luís tem 52 anos, rosto fechado e é de poucas palavras. Nunca saiu de El Salvador. Está ocupado a separar a casca da aveia, da aveia. Fá-lo por gravidade e com ajuda da brisa.




Habilmente, com um alguidar laranja à altura dos seus ombros, deixa cair a aveia para um outro alguidar colocado no chão, um azul.
A brisa afasta a casca da aveia enquanto esta cai. No fim pousa o alguidar laranja no chão e repete a operação agora com o azul na mão.
Enquanto o observo a mudar os alguidares pergunto-lhe o caminho para o lago Suchitlán. Explica sucintamente, mas aconselha a ir de táxi. "Para lá é a descer, mas para cá é pior. E com este calor...".

Uma paragem aqui outra ali vou queimando o meu tempo. Com o calor a amainar, o quotidiano acorda aos poucos e vem de novo à superfície.
Volto para a Plaza Centenario e escolho uma esplanada. Já há mais pessoas a cruzarem-na. Olho para a igreja e lá alguém está a tirar fotografias. Espreito para a porta do hotel e confirmo que ainda é o mesmo empregado mas já sem o pés cruzados. A aparelhagem de som debita agora música popular salvadorenha. Um tudo nada mais rápida que o bolero da hora do almoço.
A minha segunda Pilsener do dia está vazia há algum tempo e peço a terceira.
Não há pressa em Suchitoto.



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