Quénia, Nakuru - Joseph, Lincoln e os irmãos Steve e Anthony


Os pouco mais de 150 km que separam Nairobi do Lago Nakuru e a sua cidade - a quarta maior do Quénia - são percorridos em cerca de três horas.
O Lago Nakuru está localizada em pleno Vale do Rift, uma extensa cicatriz de quase seis mil quilómetros de comprimento e trinta e cinco milhões de anos que começa na Síria e se prolonga até Moçambique.
Duas placas tectónicas, a africana e arábica, que num braço de ferro disputam entre si o continente africano.

Flagelada pelo desemprego e apenas mitigada pelo turismo que o seu Lago atrai, é fácil encontrar em Nakuru pessoas que procuram ajuda junto dos turistas.




É o caso de Joseph e dos irmãos Steve e Anthony que sem grandes dificuldades falam comigo sobre os seus sonhos.
Joseph é um ex-maratonista de sorriso permanente, olhos brilhantes e conversa fácil e insistente. Orgulhosamente oriundo de Eldoret - terra de grandes maratonistas afirma várias vezes - que devido a uma lesão teve que deixar de correr, mas que agora desempregado percorre as ruas de Nakuru - onde há mais oportunidades - procurando um patrocinador que o ajude a voltar às corridas. Já não às maratonas que não pode, mas aos cinco e dez mil metros, explica-me.




Os jovens irmãos vêm ter comigo quando eu estava sentado na relva de um jardim público entretido a ouvir um pregador a vociferar em voz bem alta contra as tentações do demo e a falta de fé das pessoas.
À hora do almoço o jardim até estava bastante frequentado, mas ninguém lhe prestava a mínima atenção.

Estava razoavelmente bem tratado, relva cuidada mas com algumas peladas, bancos de jardim em cimento que certamente que já conheceram melhores dias e uma fonte seca ao centro que servia de assento a meia dúzia de pessoas.






De rosto mais fechado e duro e claramente descrentes no resultado da conversa comigo, têm uma história semelhante. Sem grandes opções e ideias em relação ao futuro vêm no desporto uma saída e tal como Joseph procuram no patrocínio dos turistas uma hipótese de sucesso.

Falavam tão baixo que adivinhei mais os seus nomes que os percebi. Desempregados, eles estão à procura de dinheiro para mudarem de vida.
Quando pergunto qual o objectivo deles, o que fariam ao dinheiro que conseguissem arranjar ficam em silêncio. A resposta sai tardia e pouco convincente, com um encolher de ombros Steve responde - talvez montar um ginásio. Calam-se por uns minutos e pressentindo o fim da conversa pedem uma fotografia e afastam-se num passo lento e pesado, talvez entorpecidos pela ausência de futuro ou de vontade em procurar um.




Está próxima a hora de partida para o Lago Nakuru e vou até ao camião overland que está ainda fechado.
A rondá-lo está uma boa meia-dúzia de vendedores de bugigangas, alguns deles já meus "conhecidos" anteriormente quando deambulava pela cidade.
Um vendedor, Lincoln, aproxima-se. Preparo-me para sorrir, cumprimentar dizer que sou de Portugal, o país de Ronaldo e de Figo e que não estou interessado em comprar nada. A receita habitual.
Sorriso. Cumprimento. Portugal e depois a continuidade da receita é interrompida uma afirmação exclamada de Lincoln: Portugal???? Vasco da Gama, primeiro europeu a chegar ao Quénia! Mombaça!

Desta vez dou um sorriso genuíno e confirmo o facto. O fantasma do futebol está afastado e tenho boa conversa durante uns minutos.
Gesticula ruidosamente com os colares, pulseiras e os postais. Vem de Nairobi. Não gostou da capital, é muito insegura e por várias vezes roubaram-lhe o material. A cidade de Nakuru é mais calma, bonita e também tem muitos turistas.
No fim uma conclusão de Lincoln, os portugueses são muito mais simpáticos que os alemães. "Eles são bruscos, pouco simpáticos, não nos cumprimentam sequer". Sou tentado a dizer-lhe que quase toda a Europa pensa isso, mas respondo diplomaticamente que certamente uns quantos não definem o todo.

O camião já tem o motor a roncar. Está na hora de partir. Despeço-me de Lincoln, o homem que sabia quem era Vasco da Gama.
Subo e da janela faço jus à simpatia portuguesa com um audível e sincero - Bye Lincoln take care!


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