Quénia - Lago Nakuru


É talvez um pouco forçado mas comparo o Lago Nakuro à Cratera de Ngonrongoro.
Ambos são sítios muito marcantes e ambos são lugares simbióticos. Qualquer um deles veria a sua beleza atenuada pela ausência dos seus animais e estes talvez não fossem tão fascinantes se não estivessem integrados nas respectivas paisagens.

Enquanto a Cratera de Ngonrongoro impressiona pela sua beleza - inesquecível a visão que se tem das suas escarpas forradas a verde exuberante a partir do topo da cratera - o Lago Nakuru impressiona pela escura placidez do seu espelho de água.
E se na Cratera se procura os Big 5 (leopardo, búfalo, elefante, leão e rinoceronte), no Lago procura-se as principalmente as miríades de flamingos e pelicanos que formam penachos de cores branca e rosa dos primeiros, branco e amarelo dos segundos, a usa imagem de marca. Uma espécie de bandeira tricolor que anuncia a entrada num país deslumbre.
Foi aqui que foi filmada a belíssima cena de Out of África (África Minha) em que o casal Karen Blixen e Denys Finch-Hatton encarnados por Meryl Streep e Robert Redford sobrevoam um lago com um exuberante lençol de flamingos rosa voando por baixo da avioneta.

O overland imobiliza-se, abro as suas portas e saio cá para fora. O Lago Nakuru tem este privilégio.
Podemos largar as janelas das viaturas e vir cá para fora. Podemos senti-lo debaixo dos nossos pés. O solo é negro e enlameado. Está pejado de penas e dejectos das aves. Aspiro várias vezes o aroma que dele se liberta. Surpreendentemente não é desagradável, agressivo ou enjoativo. Não me incomoda. É um aroma curioso. É quente, adocicado e exótico.




Aproximo-me ainda mais da beira do lago, chapinhando e deixando pegadas de água imprimidas no chão.
Três marabus stork de longas pernas e aspecto sarnento afastam-se em passo lento e solene, os pelicanos afastam-se de uma maneira mais nervosa e os mais incomodados levantam voo a grasnar.
Os flamingos estão dentro do lago formando uma longa esteira rosa manchada de branco, partilham-no com cegonhas de bico amarelo bem vivo.

Tenho agora o Lago mesmo à minha frente. Na sua outra extremidade distingo o mesmo, pelicanos nas margens e flamingos no lago. Olho para trás e vejo algumas das pessoas que viajam comigo espalhadas aqui e acolá a conversar entre elas próximo do overland.
Na minha esquerda, um waterbuck parado na sombra de algumas acácias e no verde de uma pastagem está a olhar perdido, talvez a pensar na vida, para a paisagem que está à sua frente. Penso como era bom ter uma janela assim no meu trabalho.




Começo a sonhar. Ao seu lado coloco uma cadeira confortável, uma secretária sem papeis, computador ou telefone. Nela apenas está uma máquina fotográfica, um moleskine, uma caneta e algo onde possa ouvir música enquadrada nos sons do lago. Imagino o trompete de Miles Davis e o saxofone de Coltrane a ecoarem suavemente pelas margens. E sem chefes, claro. Keep dreaming.
Inspiro uma vez mais aquele aroma exótico, pisco o olho para o waterbuck e roubo-lhe uma fotografia.


Fora dos trilhos principais que levam ao lago, o camião embrenha-se no verde amarelado das espinhosas acácias cujos ramos afunilam os trilhos e forçam as cabeças a irem para dentro das janelas.




Encontro o fascinante "normal": as tímidas impalas, os desafiantes e temperamentais búfalos, a elegância calma das pestanudas girafas Rothschild - parecem que andam de meias brancas compridas porque ao contrário das irmãs comuns, as suas manchas param nos joelhos - com as patas a avançarem duas a duas do mesmo lado, as nervosas zebras pintadas a tinta da china, os maciços rinocerontes brancos e pretos mas que na verdade são cinzentos, os sólidos waterbuck de longas hastes e largas comunidades de ruidosos babuínos e irrequietos macacos vervet, por vezes impedindo o avanço do camião overland quando se sentam em pleno trilho indiferentes à aquela massa metálica de cor branca que pára na sua frente.




À saída do Lago Nakuru, de novo passando pelas suas margens e assistindo pela última vez ao caótico bater de centenas de asas rosas e brancas, penso mais uma vez na Cratera de Ngonrongoro. Continua a ser para mim um dos lugares mais bonitos em já estive até ao momento.




Mas este Lago que se experimenta com os três sentidos através das cores, sons e aromas variados deixa-me saudades. Ele é uno e vale pelo seu todo, paisagens e animais.
Dele retenho uma forte sensação de serenidade. Algo que a imensidão das planícies do Masai Mara nos limites do Quénia e do Serengueti na vizinha Tanzânia não conseguiram imprimir em mim.


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