Ruanda - as sementes do Genocídio


Faz hoje, dia em que publico este post, 07.04.12, exactamente 18 anos que o genocídio ruandês começou. Acabaria cem dias depois, em Julho, com uma contagem absurda de cerca de oitocentos mil a um milhão de mortos.


As origens do genocídio ruandês recuam ao final da Primeira Guerra Mundial, quando os belgas ocupam o território do Ruanda, após a derrota da Alemanha.
Em 1923 é-lhes concedido pela Liga das Nações uma autorização, um mandato para governar e que lhes permite colonizar o país até 1962.

São reconhecidas as vantagens da colonização belga. A escolarização da população, o desenvolvimento da medicina, do comércio e um conjunto de infraestruturas essenciais por todo o Ruanda.
Mas todas as moedas tem duas faces, e a outra face da colonização belga é negra. Muito negra. São eles que trazem as sementes do genocídio de 1994.

O Ruanda era um país profundamente étnico. Cerca de dezoito tribos constituíam a identidade do país que apesar de tudo era una. Partilhavam a mesma língua, cultura e o mesmo Deus. Mas três tribos tinham domínio claro da distribuição da população, as etnias Tutsi, Hutu e Twa.

Em 1932, invocando motivos antropológicos, o governo belga instituí o Cartão de Identidade Étnico que levaria à uma efectiva separação e catalogação das tribos existentes, com base em caracteres morfológicos e distribuição e ocupação. Com esta identificação as tribos eram proibidas de se misturarem.
Dividir para reinar é a política belga nesta altura.
Desta catalogação étnica, os belgas verificaram que os hutus representavam cerca de 85% da população, os tutsis aproximadamente 14% e a tribo minoritária twa seria 1% da população.

Usando balanças, fitas métricas e compassos, os belgas "descobriram" que os hutus, lavradores, tinham a pele mais escura e o seu nariz é mais achatado e pequeno. Os seus lábios são grossos, possuem rostos redondos com um queixo de formas mais angulosas.
Por sua vez, os tutsis, pastores, são mais altos que os hutus. A sua pele é mais clara, o rosto é alongado e de traços mais finos, contribuindo para isso os lábios serem mais delgados e o nariz maior e mais fino.
Enquanto que os twa, essencialmente caçadores-recolectores ou trabalhando nas terras de hutus e tutsis, eram claramente minoritários, com pele mais clara e de estatura significativamente mais baixa, eram chamados de pigmeus. Seriam posteriormente ignorados na divisão de etnias e estruturação da sociedade que surgiria pouco tempo depois.

Numa espécie de lógica da batata, onde as vacas valem mais que o arado e quanto mais clara for a pele melhor, os tutsis ficaram com a parte nobre da sociedade. Ou seja, clero, exército e maior participação na função pública e política enquanto os hutus considerados incultos e inferiores, se mantiveram nos campos numa vassalagem latente relativamente aos tutsis.

Descontentes com esta situação, em Março de 1957 surge o Manifesto Hutu uma manifestação clara contra o poder político dos tutsis e reclamando democracia e uma vez que são maioria exigem uma maior participação nos destinos do país.
O governo belga muda convenientemente o seu apoio, de novo dividir para reinar, dando força ao Manifesto e aos hutus. Esta mudança de apoio lança o país no caos e cria uma trágica divisão de poder.

Em 1959 dá-se as primeiras perseguições e chacinas dos hutus sobre os tutsis. Estes eram desalojados de suas casas, eram incendiadas e depois assassinados.
Estima-se que cerca de 20 mil tutsis fugiram para o exílio e 15 mil terão morrido.
Sob a passividade do governo belga estes actos, não eram punidos, havendo um mascarado encorajamento à perpetração destes assassinatos.
Mais tarde perceber-se-ia que se tratavam de "ensaios" gerais para o que aconteceria em 1994.

Em 1960 dá-se um golpe de estado liderado pelo coronel belga Guy Logiest. A elite política tutsi é destituída e substituída por chefes hutus. Em Outubro a revolução chega ao fim e um governo provisório hutu é instaurado.

Sob a égide da ONU e com os hutus a serem a classe política no poder, no dia 1 de Julho de 1962 o Ruanda é declarado uma república independente.

Após a independência e com a partida dos belgas, o Ruanda está entregue a si próprio.
Refém de ódios, ressentimentos e movimentos divisionistas, rixas entre as principais etnias e lutas fratricidas pelo poder, as sementes do genocídio estavam lançadas.


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