Em Março de 1994, quem lesse com atenção o jornal Kangura, repararia certamente numa notícia algo bizarra.Um artigo declarava que o presidente em exercício, Habyarimana, iria ser morto no decorrer desse mês. Nesse artigo ele era acusado de traição e cumplicidade com Frente Patriótica Ruandesa (FPR), nome dado ao exército tutsis rebeldes que estava no exílio.
Dois anos antes, em 1992 sob pressão internacional, o presidente assina um cessar-fogo com a FPR.
No entanto, mais uma vez são publicadas na mesma altura notícias nas rádios e jornais de falsos ataques de tutsis que fazem cair por terra os acordos assinados.
No ano seguinte, na conferência da cidade de Arusha, Tanzânia, novos acordos de paz são assinados. Estes vão mais longe que o fracassado cessar-fogo do ano anterior.
Prevê o fim do conflito entre as duas etnias, a criação de um governo de transição, o direito ao regresso dos exilados e a integração dos dois exércitos, a FPR e as Forças Armadas do Ruanda (FAR) num único.
Para os radicais hutus, estes acordos eram supremos gestos de traição, quer os de Arusha, quer o cessar-fogo de 1992. A oposição, a desconfiança e a insatisfação no presidente era cada vez maior.
Isto explicava e enquadrava o conteúdo da notícia do jornal Kangura.
De facto, no mês seguinte, no dia 6 de Abril, o avião onde Habyarimana viajava foi abatido por um míssil na aproximação ao aeroporto de Kigali, quando regressava de uma reunião na Tanzânia. Na queda morreria não só o presidente ruandês e colaboradores directos, mas também o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira.
No próprio dia, os radicais hutu no poder acusaram as FPR de terem atentado à vida do presidente e o genocídio, o extermínio dos tutsis, foi de imediato despoletado.
Bloqueios de estradas, assaltos e pilhagens deram origem a uma onda gigantesca e premeditada de assassinatos.
Para decapitar e criar o vazio no poder, os elementos mais próximos do presidente morto, os lideres oposicionistas e moderados hutus foram as primeira vítimas do genocídio.
Todo o trabalho de "informação" e treino desenvolvido pelas FAR e pelas milícias, especialmente pela Interahamwe ao longo dos anos e meses que antecederem o atentando ao presidente ruandês deram de imediato os seus resultados.
Toda a população hutu saiu para a rua armada com facas, machados, bastões, armas de fogo. O seu objectivo era único e simples: exterminar a população tutsi.
Sendo as diferenças físicas não tão evidentes quanto suposto, partilhando a mesma língua, cultura e religião a "identificação" das etnias era baseada em listas previamente elaboradas e nas relações de proximidade como vizinhança, relações de trabalho ou até relações familiares.
As igrejas, escolas, hospitais, e maternidades eram os locais mais procurados pela população tutsi para refúgio e simultaneamente pelos assassinos que sabiam que iriam encontrar ali uma grande concentração de "baratas". Foram nestes locais que ocorreram as maiores chacinas.
Nos campos, os tutsis eram por vezes colocados todos juntos em campos de futebol e depois chacinados em série. As casas eram assaltadas e os seus bens pilhados, incluindo animais e plantações.
As mulheres eram sistematicamente violadas e depois mortas, os homens eram assassinados de imediato.
Os corpos eram deixados onde caiam, nas posições em que a morte os tinha encontrado. Atravessados na estradas, caídos no campo, nas florestas e margens dos rios ou boiando neles. Dentro dos carros, dentro das casas, dentro dos locais que tinham sido considerados seguros.
Os cães que sobreviveram à fúria cega da morte, sem ter ninguém para os alimentar, comiam os corpos caídos.
A consequência das violações foi o aumento astronómico da taxa de infecção com SIDA que atingiu cerca de 65% das mulheres violadas que sobreviveram ao genocídio e o elevado número de crianças abandonadas fruto igualmente dessas mesmas violações.
Nos cem dias que durou o genocídio, alastrou por todo o país uma cegueira e uma sede de sangue e morte descontrolada.
Para além dos tutsis e seus animais, até as estátuas eram atacadas com catanas. Tinham as suas cabeças degoladas e eram amputadas dos seus membros.
Entre os próprios assassinos, quem hesitasse na sua missão de matar, ou defendesse alguém que lhe era conhecido ou particularmente querido era igualmente morto pelos "colegas" ou então era severamente castigado.
Todo o Ruanda parou e não houve celebrações, festividades ou acontecimentos desportivos. A população trocou as suas rotinas do dia a dia, o seu trabalho diário pela matança.
O país viveu das pilhagens, do gado morto, das colheitas e dos bens tutsis que foram confiscados.
A 4 de Julho de 1994, a Frente Patriótica Ruandesa liderada pelo general Paul Kagame entra em Kigali e põe fim ao genocídio.
Cerca de um a dois milhões de hutus fugiram de imediato para os países vizinhos do Congo e Uganda com medo de represálias.
A eficácia da máquina de matar montada pelos mentores do genocídio é inacreditável.
Os número são gélidos. Sem tecnologia e recorrendo essencialmente a armas brancas, durante o genocídio ruandês morreram entre 800 mil a um milhão de tutsis.
Em média, morreram 8 mil a 10 mil pessoas por dia. Ou seja entre 334 a 417 pessoas morriam por hora, cerca de 6 a 7 pessoas por minuto.
Isto aconteceu, sem parar, durante 100 dias.
Nem os alemães nazis, com a sua tecnologia e organização conseguiram esta brutal média.
Foi a pior chacina que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial e a mais eficaz depois do lançamento das bombas atómicas no Japão.
Dois anos antes, em 1992 sob pressão internacional, o presidente assina um cessar-fogo com a FPR.
No entanto, mais uma vez são publicadas na mesma altura notícias nas rádios e jornais de falsos ataques de tutsis que fazem cair por terra os acordos assinados.
No ano seguinte, na conferência da cidade de Arusha, Tanzânia, novos acordos de paz são assinados. Estes vão mais longe que o fracassado cessar-fogo do ano anterior.
Prevê o fim do conflito entre as duas etnias, a criação de um governo de transição, o direito ao regresso dos exilados e a integração dos dois exércitos, a FPR e as Forças Armadas do Ruanda (FAR) num único.
Para os radicais hutus, estes acordos eram supremos gestos de traição, quer os de Arusha, quer o cessar-fogo de 1992. A oposição, a desconfiança e a insatisfação no presidente era cada vez maior.
Isto explicava e enquadrava o conteúdo da notícia do jornal Kangura.
De facto, no mês seguinte, no dia 6 de Abril, o avião onde Habyarimana viajava foi abatido por um míssil na aproximação ao aeroporto de Kigali, quando regressava de uma reunião na Tanzânia. Na queda morreria não só o presidente ruandês e colaboradores directos, mas também o presidente do Burundi, Cyprien Ntaryamira.
No próprio dia, os radicais hutu no poder acusaram as FPR de terem atentado à vida do presidente e o genocídio, o extermínio dos tutsis, foi de imediato despoletado.
Bloqueios de estradas, assaltos e pilhagens deram origem a uma onda gigantesca e premeditada de assassinatos.
Para decapitar e criar o vazio no poder, os elementos mais próximos do presidente morto, os lideres oposicionistas e moderados hutus foram as primeira vítimas do genocídio.
Todo o trabalho de "informação" e treino desenvolvido pelas FAR e pelas milícias, especialmente pela Interahamwe ao longo dos anos e meses que antecederem o atentando ao presidente ruandês deram de imediato os seus resultados.
Toda a população hutu saiu para a rua armada com facas, machados, bastões, armas de fogo. O seu objectivo era único e simples: exterminar a população tutsi.
Sendo as diferenças físicas não tão evidentes quanto suposto, partilhando a mesma língua, cultura e religião a "identificação" das etnias era baseada em listas previamente elaboradas e nas relações de proximidade como vizinhança, relações de trabalho ou até relações familiares.
As igrejas, escolas, hospitais, e maternidades eram os locais mais procurados pela população tutsi para refúgio e simultaneamente pelos assassinos que sabiam que iriam encontrar ali uma grande concentração de "baratas". Foram nestes locais que ocorreram as maiores chacinas.
Nos campos, os tutsis eram por vezes colocados todos juntos em campos de futebol e depois chacinados em série. As casas eram assaltadas e os seus bens pilhados, incluindo animais e plantações.
As mulheres eram sistematicamente violadas e depois mortas, os homens eram assassinados de imediato.
Os corpos eram deixados onde caiam, nas posições em que a morte os tinha encontrado. Atravessados na estradas, caídos no campo, nas florestas e margens dos rios ou boiando neles. Dentro dos carros, dentro das casas, dentro dos locais que tinham sido considerados seguros.
Os cães que sobreviveram à fúria cega da morte, sem ter ninguém para os alimentar, comiam os corpos caídos.
A consequência das violações foi o aumento astronómico da taxa de infecção com SIDA que atingiu cerca de 65% das mulheres violadas que sobreviveram ao genocídio e o elevado número de crianças abandonadas fruto igualmente dessas mesmas violações.
Nos cem dias que durou o genocídio, alastrou por todo o país uma cegueira e uma sede de sangue e morte descontrolada.
Para além dos tutsis e seus animais, até as estátuas eram atacadas com catanas. Tinham as suas cabeças degoladas e eram amputadas dos seus membros.
Entre os próprios assassinos, quem hesitasse na sua missão de matar, ou defendesse alguém que lhe era conhecido ou particularmente querido era igualmente morto pelos "colegas" ou então era severamente castigado.
Todo o Ruanda parou e não houve celebrações, festividades ou acontecimentos desportivos. A população trocou as suas rotinas do dia a dia, o seu trabalho diário pela matança.
O país viveu das pilhagens, do gado morto, das colheitas e dos bens tutsis que foram confiscados.
A 4 de Julho de 1994, a Frente Patriótica Ruandesa liderada pelo general Paul Kagame entra em Kigali e põe fim ao genocídio.
Cerca de um a dois milhões de hutus fugiram de imediato para os países vizinhos do Congo e Uganda com medo de represálias.
A eficácia da máquina de matar montada pelos mentores do genocídio é inacreditável.
Os número são gélidos. Sem tecnologia e recorrendo essencialmente a armas brancas, durante o genocídio ruandês morreram entre 800 mil a um milhão de tutsis.
Em média, morreram 8 mil a 10 mil pessoas por dia. Ou seja entre 334 a 417 pessoas morriam por hora, cerca de 6 a 7 pessoas por minuto.
Isto aconteceu, sem parar, durante 100 dias.
Nem os alemães nazis, com a sua tecnologia e organização conseguiram esta brutal média.
Foi a pior chacina que ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial e a mais eficaz depois do lançamento das bombas atómicas no Japão.
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