Musanze, Ruanda - Parque Nacional dos Vulcões

O Parque Nacional dos Vulcões no Ruanda situa-se a cerca de 25 quilómetros da cidade de Musanze, antiga Ruhengeri, no distrito de Musanze. É constituído por cinco vulcões, todos eles entre os 3400 e 4500 m: O Sabynio, o Karisimbi, o Bisoke, o Muhabura e o Gahinga. Pertence à cadeia montanhosa Virunga que serve de fronteira ao Ruanda, Uganda e República Democrática do Congo.
É um local privilegiado para a observação de gorilas da montanha.



Estava atrasado.
Tinha perdido algum tempo na pequena loja de recordações a escolher uma máscara de madeira preta com o rosto de um gorila da montanha esculpido e depois ainda fui tirar algumas fotografias nas redondezas da entrada do parque Nacional dos Vulcões.
Tal como tinha visto um pouco por todo o lado, desde que tinha entrado no Ruanda, há sempre alguém a trabalhar nos campos.






Quando passei pela estátua de um grande gorila da montanha sentado e cruzei a porta de entrada do Parque já tinha perdido a distribuição das famílias dos gorilas pelos vários grupos de pessoas que lá estavam.
Voltei a perder mais algum tempo para descobrir em que grupo o meu nome estava. E pior, tinha perdido parte do briefing que os guias dão ao grupo.

O guia, observou-me e confirmou o meu nome na sua lista. Estava na família Bwenge.
Das várias famílias de gorilas da montanha que habitam o Parque Nacional dos Vulcões apenas algumas estão habituadas às pessoas. As famílias tinham o nome do gorila de dorso prateado que as liderava.

Apresentou-se. Chamava-se Felix. Era alto, corpo esguio e rosto alongado com uns óculos desmedidamente grandes para o tamanho da cara.
Ao seu lado tinha Godofred, estagiário e um possível futuro guia. Igualmente alto, simpático, tímido com ar formal, costas bem direitas numa postura quase militar que nunca abandonaria.

- Chegaste atrasado. Devias ter ido para os "fit".
Já sabia disto. Ele estava dizer-me por outras palavras que poderia ter ido para a família Susa. É um mais desejados e um dos maiores grupos que se pode observar.
A distribuição das pessoas pelos gorilas é atribuída em função da aparente capacidade física.
Os que supostamente estão ou parecem em melhor forma física, os tais "fit", vão para os gorilas que andam nas maiores altitudes e logo exigem as maiores caminhadas. Os que estão em menor forma ficam com os que estão mais em baixo.
Por ter chegado atrasado, por defeito fiquei num grupo médio. Serve perfeitamente. Só pretendo ver gorilas da montanha, não me interessava a altitude a que eles estão.

Felix tinha nascido no Congo e trabalhava há mais de dez anos como guia no Parque Nacional dos Vulcões. Já tinha sido guia dos gorilas no Parque Nacional Virunga no Congo. Quando mais tarde lhe perguntei o porquê da mudança, respondeu com ar meio triste, meio resignado o que eu esperava e sabia:
- O Congo é um país perigoso para os turistas e até mesmo para quem lá vive. Por isso ninguém vai ver os gorilas ao Virunga. E acrescentou o óbvio - Não se ganha dinheiro com eles.

Éramos poucos no grupo. Para além de mim, mais três pessoas.
Uma canadiana, a Christine que tinha 57 anos e parecia uma barbie com 57 anos. Muito profissional. Luvas, boas botas de caminhada, um chapéu panamá em tons de caqui, camisa e calças de trekking naturalmente em tons de caqui. Tinha com ela, uma mala que não era em tons de caqui e cujo conteúdo nunca vi. Godofred carregou-a o tempo todo.
John era americano. Mais parecia que ia caçar gorilas que vê-los. Botas pretas de cano alto tipo tropa, calças em camuflado e boné verde garrafa e óculos escuros. Tinha estado com os gorilas no dia anterior. Gostou tanto que desembolsou mais quinhentos dólares para repetir a dose.
E a inglesa Liz. Tagarela, extrovertida e prática. Calças de ganga, t-shirt azul claro, bem roçada e ténis completamente inadequados para o tipo de trilhos que iríamos apanhar.
A acompanhar estava um guarda armado. Era para evitar surpresas vindas de animais de duas e quatro patas. Apesar de não ser frequente, ainda havia o risco de nos cruzarmos com caçadores furtivos.

Fomos de jipe por estradas bastante maltratadas durante uns quinze ou vinte minutos até chegarmos ao ponto de partida.
Uma nuvem de miúdos já a postos com as mãos cheias de cajados de madeira com os topos habilmente esculpidos com cabeças e rostos de gorilas enxamearam à nossa volta para os vender.
A meu conselho e olhando para os seus ténis, Liz comprou um. A partir daqui era sempre a subir.

Uma neblina de luz intensa pairava sobre a paisagem. Empalidecia o azul do céu e esmorecia o verde dos campos mais longínquos.
Atrás de mim e à minha frente a paisagem era dominada pelos imponentes vulcões.

Tudo transmitia a sensação de uma aldeia isolada na montanha e perdida na pacatez do tempo.
Na subida atravessámos pequenas hortas e campos plantados. A maior parte deles estavam cultivados com batatas destinados ao consumo local.


Algumas vacas e cabras pastavam próximo de nós e dois cães dormiam entre os carreiros cavados. Aqui e acolá, galinhas iam esgravatando e debicando o chão aleatoriamente.

Crianças corriam a dizer adeus com as duas mãos, sorrindo e gritando aquela palavra universal que representa tudo o que não seja oriundo do seu país: Helllooo, hellooo!!!
Paravam junto a nós, travados por uma força invisível que os impedia de se aproximarem mais e algo embaraçados, olhando-nos sem pedir nada, satisfaziam a sua curiosidade.


De ambos os lados do trilho de subida havia casas. Separadas dos terrenos por pequenas sebes feitas com arbustos e algumas plantas trepadeiras.
Eram pobres e de aspecto muito frágil. Todas construídas da mesma maneira.
Paredes de argila e barro, reforçadas com canas atravessadas e com telhados em chapa de zinco ondulado. Algumas delas ainda por concluir, se alguma vez o fossem.


Se as crianças eram exuberantes, os locais eram mais contidos. Muitos permaneceram indiferentes à nossa passagem continuando a preparar os campos, outros levantaram os olhos com curiosidade.
Tanto sorriam como mostravam rostos com olhares endurecidos.

Como é que estas pessoas nos veriam? Como extraterrestres invasores vindos de um planeta oposto do seu, ou como alguém capaz de lhes melhorar a qualidade de vida através das suas moedas ocidentais?
Alguém que lhes tira fotografias para mostrar em países que dificilmente eles visitarão e dizer "Olhem, tão pobres que eles são!" ou alguém cujas fotografias servem para mostrar, nesses mesmos países, que há realidades e modos de vida diferentes do que estamos habituados e assumimos como garantido?


Curioso, perguntei ao Felix de que maneira eram aplicados os quinhentos dólares da licença para ver os gorilas da montanha.
- Uma parte para a manutenção da floresta e protecção dos gorilas, outra para pagar e formar todo o conjunto de pessoas que trabalha para o Parque, nomeadamente guias, batedores e carregadores. E uma terceira parte é aplicada na comunidade. Pavimentação de estradas, construção de escolas, centros de saúde e abertura de poços.
Duvidei da terceira parcela por aquilo tinha visto enquanto estive no jipe. Talvez...

Passada a fase inicial da subida, penetrámos na densa floresta. Antes, uma paragem para rever a parte essencial do briefing que tinha perdido.
  • Seguir sempre as suas instruções ou a dos batedores
  • Falar baixo
  • Jamais promover o contacto com os gorilas
  • Manter pelo menos 7m de distância para os gorilas
  • Na altura da observação, apenas levar máquinas fotográficas. Nada de mochilas ou cantis.
  • Afastar-nos, não fugir ou gritar se os gorilas se aproximarem demasiado ou nos tocarem.
  • A observação dos gorilas dura uma hora.
Passámos de lado por uma estreita brecha num pequeno muro de pedras meio destruído.
Pela frente tínhamos trilhos lamacento e estreitos, ramos de árvores, arbustos, raízes escondidas na terra, muitas escorregadelas e alguns tropeções.
A Liz estava em maus lençóis.


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