Londres, Inglaterra - uma batalha e um museu

Em 21 de Outubro de 1805 no Cabo Trafalgar, no Golfo de Cadiz, próximo do estreito de Gibraltar, travou-se uma das mais famosas batalhas navais da história: a batalha de Trafalgar.
Frente a frente estava a esquadra britânica de vinte e sete navios liderada pelo almirante inglês Horatio Nelson e a esquadra franco-espanhola de trinta e três navios liderada pelo vice almirante francês Pierre Villeneuve.
Era a segunda vez que estes dois homens se enfrentavam. A primeira tinha sido em 1798 na Batalha do Nilo, no Egipto, tendo a vitória sorrido aos britânicos.

A Europa era nesta altura dominada pelas forças napoleónicas.
Napoleão, coroado imperador em 1804, tinha praticamente a Europa a seus pés e apenas a Grã-Bretanha lhe escapava. Era portanto vontade de Napoleão invadir a ilha britânica. O seu desejo era que fosse no canal da Mancha, rompendo o bloqueio naval que os britânicos aí tinham montado.
Para isso, Napoleão quis distrair e afastar a frota inglesa dessa zona, levando-os a atravessar o Atlântico ao atacar portos ingleses instalados na América Central mas sem sucesso. No regresso a frota franco-espanhola estacionou no Golfo de Cadiz onde já tinha o almirante Nelson à sua espera.

Na batalha de Trafalgar as forças napoleónicas sofrem uma pesada derrota - perdem vinte e dois navios e cerca de 3400 mortos contra um navio e aproximadamente 450 mortes do lado britânico - e definitivamente Napoleão desiste de invadir a ilha.
O almirante Nelson encontra a morte a bordo do Victory ainda antes de a batalha acabar.
Mas pela estratégia que montou para a batalha, pela determinação e exemplo que deu aos seus homens, ele tornou-se um herói e uma lenda na história de Inglaterra.
Trafalgar Square foi uma maneira que os ingleses encontraram de o homenagear.


De Waterloo até Charing Cross, a estação mais próxima de Trafalgar Square, são apenas duas paragens e ficam ambas na linha castanha de Bakerloo. Chegar ao meu terceiro postal de Londres é um tiro.
Subo as escadas da estação, atravesso a estrada e estou em Trafalgar Square. Enorme.

Foi projectada por John Nash e construída entre os anos de 1829 a 1841 em honra do almirante Horatio Nelson pela sua vitória na Batalha de Trafalgar.
Destaca-se na praça a longa coluna com 56m de altura com o Almirante Nelson no topo. Na sua base, a protegê-lo, repousam quatro gigantes leões.

Aproximo-me deles e sinto a sua majestosidade. Simbolicamente foram fundidos usando o bronze dos canhões da derrotada frota francesa.
São pretos e bem detalhados. Cada um deles tem uma enorme juba e um dorso a condizer.
Os seu focinhos são nobres, tranquilos e não têm nada de ameaçador. Parecem que nos convidam à sua presença. Irradiam uma sensação efectiva de protecção ao seu redor.

Eles estão cheios de gente à sua volta. A maior parte das pessoas ou estão sentadas nas suas imediações ou apontam para ele as máquinas fotográficas.
Algumas ajudam os putos a treparem para os seus dorsos, outras sobem elas próprias para lá.
No leão do meu lado direito, divertida e de sorriso largo, uma miúda de cabelos louros e casaco vermelho brinca com o grande leão. Sobe para o leão e fechando os olhos pousa a sua cabeça no pescoço dele e dá-lhe um longo abraço. Quase que transforma a fria estátua de bronze num ronronante bichano caseiro de sangue quente e de carne e osso.
Ao descer, os pais tiraram fotografias com ela a posar por baixo da enorme cabeça, enquanto uma senhora, a muito custo e com quatro mãos de ajuda, trepava para o leão e se preparava para fazer o mesmo.




Por sua vez, no leão do lado esquerdo da base da coluna, sem a procura que o seu companheiro do lado tinha, um casal de namorados falavam calmamente um com outro. 
Ele está sentado em cima dos quartos traseiros do leão e ela estava mais abaixo, na base.
Antes de se irem embora trocam as posições e fotografam-se um ao outro.




Deixo os quatro leões para trás, passo pelas fontes, viro ligeiramente para a esquerda e paro. Antes de subir as escadarias que me levam para a varanda do museu National Gallery, fico a ouvir dois artistas de rua que com duas guitarras e os inevitáveis chapéus panamá tocavam música cigana nesse lado da praça.

A varanda funciona como um miradouro para a praça. Está cheia de gente que olha, conversa e fotografa um pouco por todo o lado. Espero impaciente que duas estudantes se afastem depois de verem as fotografias que tiraram uma à outra e depois tomo posse do seu lugar entre as colunas. 
Debruço-me sobre o gradeamento e de costas para a entrada do museu olho para a praça.

Ela tem movimento, mas não tem dinâmica. Instintivamente comparo com o Centro do Mundo. Derrota imediata. 
Por ser enorme, sofre de uma certa impessoalidade, de uma certa frieza além que é quase silenciosa. Falta-lhe a banda sonora e a montra das rotinas que Piccadilly Circus exibe. 
E a coluna de Nelson é tão alta que não permite que seja apreciada sem uns bons olhos e uma valente dor de pescoço. Exactamente o contrário da fonte de Anteros.




Nas fontes, a ladeá-las, as pessoas estão encostadas e conversam. Poucas as fotografam. 
Por causa da seca que a Inglaterra atravessa, a maior dos últimos trinca e cinco anos, a esmagadora maioria das fontes de Londres, incluindo as de Trafalgar Square estão fechadas para poupar água.
A decisão faz todo o sentido, mas claramente a praça e quem anda por lá fica a perder com esta medida.

Antes de virar costas à praça e entrar no museu olho para o contador que em contagem decrescente mostrava o tempo que faltava até ao início dos Jogos Olímpicos de Londres 2012.
Um pensamento cruza a minha cabeça. Há quatro anos, também a caminho de um país asiático, a Mongólia, fiz escala na cidade que acolhia os Jogos Olímpicos de 2008, Pequim. Na altura a cidade estava entre jogos. Tinham acabado os Olímpicos e estava a preparar-se para os Paraolímpicos.
Os próximos jogos são no Brasil em 2016 no Rio de Janeiro. Se se mantiver esta tendência, será que daqui a quatro anos...???

Quem vai ao mar avia-se em terra diz a sabedoria popular. Como previsivelmente iria estar curto de tempo por esta altura, já tinha previamente feito uma pré-selecção do que queria ver no site do museu. 
Tinha escolhido os quadros do pintor inglês William Turner. Para muitos ele é um dos precursores do movimento impressionista. 
Da minha lista de eleitos constava igualmente dois franceses, o pontilhista Georges Seurat e o impressionista Édouard Manet e pelo menos Os Girassois do pós-impressionista holandês Vincent van Gogh.

Enquanto me orientava com o mapa, subindo e descendo escadarias, procurando as salas que me interessavam, continuava espantado com o facto de um museu com aquelas dimensões e especialmente com a aquela colecção de arte ser gratuito. No entanto éramos convidados a fazer uma doação. Mais do que justo.


À saída do museu, apressado e a caminhar de volta para o metro larguei todas as moedas que tinha no bolso. 
Não foi uma doação memorável, mas não fiquei mal visto. E pelo menos aqueles trocos não haviam de chatear no detector de metais do aeroporto.
Em passos largos e acelerados regresso ao metro. Viro-me para trás e olho uma última vez para a fachada do National Gallery. 




O museu National Gallery abriu ao público em 1838. Mas a sua história remonta a 1824, altura em que o parlamento decidiu comprar 38 pinturas ao banqueiro e coleccionador de arte inglês John Angerstein e assim iniciar e divulgar uma exposição de âmbito nacional e com propósito didáctico

edifício inicial - Angerstein's House - onde esta colecção e outras posteriores foram exibidas, era pequeno e perdia na comparação com outros museus que exibiam colecções semelhantes, nomeadamente com o Museu do Louvre. O orgulho britânico estava ferido e havia que recuperá-lo com a construção de um edifício maior - o número de colecções obtidas através de compras ou doações estavam a aumentar - e em local mais nobre. 

Em 1831 o parlamento inglês decidiu iniciar a construção do National Gallery na praça Trafalgar Square. Já nessa altura considerada o centro de Londres.
Sempre com o objectivo de tornar as obras de arte acessíveis para todas as classes e não apenas para alguns privilegiados, foi decidido que a sua entrada seria gratuita e os horários de funcionamento seriam alargados. 
E assim se mantém.


Foi uma visita de médico, mas este meu último high light de Londres, pelo lado do museu, tinha valido a pena.
É sempre com uma profunda sensação de admiração e respeito que entro dentro dos grandes museus de arte e vejo as suas colecções.
Eles são o repositório do que melhor a Humanidade faz. Uma espécie de pedido de desculpas por aquilo que essa mesmo Humanidade tem de pior. É quando ao destruidor egocentrismo se contrapõe a partilha e genialidade da criação. São uma redenção. 

O corredor da estação que ligava a entrada às bilheteiras era também ele próprio um pequeno museu. 

Ao longo de todo o seu comprimento, através de desenhos simples tipo esquissos e pintados com cores a fazer lembrar aguarelas, ele contava e contextualizava a história e evolução da construção de Trafalgar Square.
Merecia mais tempo que lhe dediquei. Mas ainda voltei ao início e refiz o corredor todo desta vez do outro lado.





Precisava de uma hora para chegar a aeroporto de Heathrow e pelo meio tinha que fazer uma mudança da linha castanha para a azul. 
Pouco tempo depois retomava a linha Piccadilly onde seis horas antes tinha começado a minha rapidinha londrina.

Tinha que fazer o check in com duas horas de antecedência. Depois disso eram pouco mais de onze horas metido dentro de um charuto com asas para chegar a Bangkok e depois um outro charuto voador me depositaria em Hanoi, Vietname.
Bem feitas as contas, com tempos de voo e escalas incluídas, no momento em que entrei no tube londrino estava a iniciar uma jornada de quase quinze horas até ao meu destino final.
Não desesperes. Não desesperes.


Comentários