Vietname - finalmente Ha Long Bay

O ambiente no porto de Ha Long Bay era caótico e a agitação intensa. Gente por todo o lado.Filas de pessoas que seguiam para a direita, filas de pessoas que seguiam para a esquerda e grupos de pessoas que não eram filas porque aguardavam instruções para onde se dirigirem antes de formarem uma. Era o meu caso.

No pequeno porto vivia-se o mesmo frenético estado de espírito.
Os barcos chegavam e partiam. Acotovelavam-se, inquietos, nervosos como a nuvem de vozes que os coordenavam para receberem os seus passageiros.
Tudo era uma cacofonia para os sentidos. Gaivotas grasnantes que esvoaçam por ali, sons de buzinas e apitos, nuvens mal cheirosas cinzentas e negras de combustível apressadamente queimado, detritos na água, risos, gritos e gritinhos que acompanham os inseguros passos de quem desce os estreitos e íngremes degraus que os levam aos barcos.




Para os mais sortudos, que passarão pelo menos uma noite na baía, estes serão um mero táxi para os barcos maiores que estão ancorados ao largo à sua espera.
Para os restantes são mesmo estes que os levarão ao labirinto rochoso da baía de Ha Long.

Tão ansioso como os barcos, finalmente vejo aproximar-se o meu. Quase que caio na água suja ao tropeçar nos degraus quando desço para ele. Praticamente não vejo onde ponho os pés. A minha cabeça está lá ao fundo, no horizonte distante. Antecipo a concretização de um desejo quase sonhado.

À chegada ao barco cruzeiro entregam-me uma chave com o número 4. É a minha cabine. Muito pequena mas diria luxuosa e acolhedora. O chão é feito de ripas de madeira de cor preta e superfície irregular. É desconfortável andar descalço neste chão.
Entre as duas estreitas camas está um macio tapete verde alface. Tem ar condicionado, toalhas e uma pequena casa de banho com um chuveiro de água quente, gel e shampoo.
Já dormi em sítios bem piores.


A tripulação entretanto acabou de descarregar os mantimentos para os dois dias que iríamos estar na baía.
O pequeno barco afasta-se e o piloto acena-me dizendo algo que não percebo.
Comigo ficaram duas australianas, duas americanas, uma suíça de nome português, a Ricarda, e dois casais britânicos.
Deixo a popa, atravesso o corredor estreito e escuro onde estão localizados os quartos e vou para a proa. No horizonte não muito distante adivinham-se difusas no azul do céu, os perfis das rochas que tornaram a Baía de Ha Long famosa. Uns minutos depois e com um ligeiro estremeção o barco arranca.
Com sorrisos a tripulação distribui uma bebida de boas vindas a cada um de nós. Pego na minha, vou até à extremidade da proa e sento-me lá com os pés pendurados sobre a água. Não estamos sós. À nossa frente um conjunto de barcos parte na mesma direcção.
Durante quase todo o cruzeiro seria este o meu lugar de eleição.




Os monólitos emergentes na água vão começar passando por nós.
Uns com as paredes nuas, despidas, outros cobertos de uma vegetação luxuriante. As suas formas vão variando conforme os caprichos dos elementos que os erodiram. Ninguém sabe o número ao certo, mas estima-se que existam cerca de três mil formações rochosas e ilhas na baía.
Quase todas elas pristinas, intocadas pelo homem. Algumas têm colónias de animais a viver nelas, outras têm lagos e até grutas nos seus interiores.




O céu está azul e pintalgado de branco das nuvens. Sentado na proa sinto o vento a bater-me na cabeça, com ele também sinto a ausência de problemas. O espírito está leve e sorrio ao mundo.
À minha frente estende-se o Mar do Sul da China ou segundo os vietnamitas, o Mar do Vietname, porque Ha Long Bay está na costa vietnamita e não na chinesa como um membro da tripulação um tudo nado irritado, fez questão de me explicar quando mais tarde lhe pedi a confirmação do nome daquelas águas.




No caminho para os confins da baía passa-se por uma comunidade flutuante.
Elas existem há séculos e o seu modo de vida praticamente está inalterado. São autênticas aldeias com escolas, hortas, lojas e viveiros. As casas têm alpendres e vêm-se cães e gatos. Vivem essencialmente da pesca e daquilo que conseguem vender ao crescente número de turistas que por lá passam.
No entanto algumas destas comunidades têm pequenas plantações em ilhas próximas e ocasionalmente vão a terra em busca de cuidados médicos ou vender os seus produtos.




Algumas horas depois o barco estava ancorado e eu estava num caiaque por entre aquelas irregulares lágrimas de calcário. A rodear algumas, a passar por baixo de algumas delas e a procurar grupos de macacos noutras.
Antes do jantar ainda mergulharia de cabeça nas águas escuras da baía, assistiria ao pôr do sol e uma alforreca deixaria umas marcas dolorosas no meu braço esquerdo.

A tripulação para entreter a noite tinha preparado uma sessão karaoke. Bebe-se, canta-se, fala-se alto, muitos risos e gargalhadas. Fujo dela. Não pertenço ali. Pertenço à proa, ao céu estrelado, ao mar do Vietname e acima de tudo à paz da baía.
Custa a acreditar que muitos anos após ter visto uma fotografia numa revista de viagens da Baía de Ha Long, eu estava lá. Finalmente.


Comentários