Ha Long Bay, Vietname - nascer do sol


Numa cena muito caricata do filme Golpe no Paraíso, dois homens, Stan Lloyd (agente FBI) e Max Burdett (um ladrão de diamantes) partilham deitados uma cama de casal num hotel.
O segundo, Max, desabafava que a sua namorada o tinha posto fora de casa por ter perdido o primeiro pôr-do-sol a dois após a expansão do alpendre que ela própria tinha feito.
Stan Lloyd retorque dizendo que o mundo está divido entre dois tipos de pessoas: os que gostam de pôres-do-sol e os que não gostam.

Eu estou claramente do lado dos que gostam.
Gosto das cores quentes que ele projecta nos céus, gosto de pensar que a seguir vêm horas de calmaria e paz e que as estrelas surgirão. Aquele dia está cumprido. O espírito pode abrandar e a alma sossegar.
Mas isso não significa que, na sua brevidade faiscante, um nascer do sol não possa ser igualmente atraente ou menos ainda de se perder. Especialmente se estivermos na Baia de Ha Long.


O despertador do telemóvel tocou bem antes da cinco da manhã. Saí da minha cabina e percorri silenciosamente o corredor estreito de madeira para não acordar quem dormia. Subi as escadas para a proa e pousei os meus olhos na baía. Não tugia nem mugia.
Estava ainda adormecida. Apenas se via um imperceptível enrugar das suas águas causadas por uma brisa que quase não o era.

Rodo a minha cabeça. À volta, os outros barcos ancorados que circundam o meu, estão ainda mais adormecidos. Não há sinais de vida. Ninguém para ver o novo dia a despontar.




O céu começa a mudar. O azul claro, calmo e repousante do céu dá mostras de agitação. Percebe-se que começa a ganhar cores violetas. Não se fica por aqui.
Em mais alguns minutos pequenas nuances de irreais amarelos acastanhados e dourados surgem tingindo a neblina matinal e as águas da baía.

Pouco depois das cinco, parecendo obedecer a um sinal silencioso e simultâneo, a quietude da paisagem é perturbada por pequenos barcos de pescadores que ligeiramente rompem a suavidade dos líquidos lençóis onde a Baía de Ha Long ainda repousa.




Por esta altura Ken aparece ao meu lado. Vem partilhar o nascimento do novo dia comigo. É um britânico super simpático do País de Gales que já cruzou o continente africano de norte a sul em meados da década de 80 num 4x4 cuja marca já não me recordo.
Sem palavras, para não perturbar o silêncio e a solenidade do momento cumprimenta-me com um meneio de cabeça e um piscar de olho.

A diáfana neblina que suaviza e esbate os contornos da paisagem desvanece-se rapidamente. Surgem laranjas e amarelos que ganham intensidade e fulgor a cada instante. O sol surge na linha do horizonte e pé ante pé começa a elevar-se.
Dirijo-me a traseira do barco e tiro de lá as últimas fotografias.




O galês continua a fotografar na proa. Subo as inclinadas escadas para o terraço do barco.
Pouso a máquina fotográfica numa cadeira de descanso desdobrada, húmida da madrugada e ainda sem o conforto macio do colchão de espuma.
Meto as mãos nos bolsos, apoio a minha cintura na amurada e confirmo o silêncio dos barcos à minha volta.
Por baixo de mim e ainda na proa Ken também já não fotografa e os seus olhos estão focados na mesma direcção dos meus.

Com os pescadores já diluídos na distância do horizonte, a baía retomou a languidez inicial dos primeiros minutos.
Vejo as profundas sombras negras que as rochas projectam na água e reparo que elas estão recortadas contra o céu laranja. Ainda tímido o sol vai subindo no céu.
Semicerro os olhos, inspiro profundamente para guardar aqueles momentos e cores dentro do meu peito e não apenas na minha memória.
Os primeiros minutos do nascer do sol, o despontar de um novo dia em Ha Long Bay são só meus.


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