Transiberiano - o regresso


Cheguei há cerca de duas semanas e ainda estou a flutuar da viagem do Transiberiano.
Como escreveu Rafael Polónia no comentário no post anterior, dei-lhe forte nos carris. Foram qualquer coisa como cerca de 8000 km percorridos através das ferrovias de três países.

Nos ouvidos, sinto ainda os pregões das vendedoras das estações, no corpo, o embalar das carruagens, nos pulmões, o aroma da fricção dos rodados nos carris e os solavancos das diversas locomotivas que foram sendo atreladas ao longo dos dias.

Tenho saudades dos corredores estreitos em que passávamos de lado uns pelos outros ou então ter que invadir com um passinho os compartimentos de terceiros para que outros terceiros passassem por nós.
Tenho saudades dos sorrisos que se trocavam com desconhecidos só porque sim.
Tenho saudades das inúmeras conversas que se iniciavam com “de que país és?”, “de onde vens?”, “partiste de onde?”, “vais até Pequim?” e que acabavam com um “até lá”, “boa sorte”, “vemo-nos por esse mundo fora”.

O Transiberiano está-me entranhado na alma, no coração, no meu corpo e nos meus sentidos. Como todas as viagens, está indelevelmente marcada em mim.
É uma espécie de troféu que se põe na prateleira mais bonita e mais acessível das nossas memórias.
Mas está para além disso. Sinto-me orgulhoso de o ter feito e experienciado. Ele mudou-me e sinto-me diferente. Não sei bem o que se terá modificado, mas estou uma pessoa melhor.
Sou agora uma mistura de muitos rostos, vozes, vivências e confidências de quem se cruzou comigo no Transiberiano.

Coisas que não se contam a quem está próximo de nós mas que abrimos a quem vive do outro lado do mundo, numa língua que não é a nossa e que dificilmente veremos de novo.
No entanto passam a fazer parte de nós e portanto eternizam-se na nossa efémera condição de seres vivos.
Não se faz isto num avião, carro, num autocarro ou num metro. 
Mas num comboio, com todo o tempo do mundo, com o encadeado de paisagens sucessivas a correrem pela janela, tudo é possível.

É essa a magia, esse encantamento do comboio, qualquer que ele seja. É um espaço fechado completamente aberto. Não há clausura, não há claustrofobia.
Num comboio não se vai nele, vai-se com ele e com quem vai nele. E no Transiberiano vamos muito tempo assim, tornamo-nos todos um só.

Depois do regresso até já sonhei com ele. O Transiberiano sou eu.


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