Transiberiano, Rússia - Listvyanka


Mais uma vez em movimento. Estava a caminho de Irkutsk e do Lago Baikal.
Olhando pela janela, finalmente a taiga dava sinais evidentes de estar a ceder. Menos densa e um pouco mais esparsa. Já permitia espreitar para além dela. Visões das planícies, da estepe e alguns lagos iam surgiam aqui e ali.
A acompanhar a linha de ferro, lembrando ilhotas urbanas, pela primeira vez viam-se pequenos aglomerados de casas de madeira, aguerridamente coloridas, pequenas cercas, tipo estacas espetadas no solo e algumas hortas no seu interior.
Agricultores carregavam as enxadas aos ombros e pickups lamacentas quase escondendo as suas cores originais percorrem caminhos que mal merecem esse nome.

Este é o reino do permafrost. O solo está permanentemente congelado. Mas durante o breve verão siberiano, literalmente duas ou três dezenas de centímetros da superfície do solo descongela e permite estes milagres do florescimento.
No entanto abaixo desta crosta descongelada, uma imensa camada de solo permanece gelado. Figurativamente é um icebergue. 
Para os vinte ou trinta centímetros de solo descongelado, temos oitocentos a mil metros de solo congelado.

O livro O Sétimo Selo de José Eduardo Rodrigues dos Santos relaciona directamente as alterações climáticas com a queima de combustíveis fósseis e o aumento do teor dos gases de estufa.
Uma das grandes preocupações abordadas no livro é a diminuição do permafrost siberiano.

Sabe-se que a camada de permafrost está a diminuir. Mesmo no período de Inverno.
Com o aumento global das temperaturas o solo absorve mais calor durante o Verão e liberta-o durante mais tempo e intensivamente no Inverno mantendo anormalmente o descongelamento superficial do solo nesta estação.
O resultado é que torna-se mais escuro (perde a sua brancura que reflecte a luz do sol) e a sua capacidade de absorver calor aumenta. Torna-se um círculo vicioso.
Mais escuro absorve mais calor no Verão e liberta mais calor no Inverno e o solo vai escurecendo, descongelando cada vez mais de ano para ano, tornando-se cada vez menos reflectivo.

O permafrost siberiano é um pulmão invernal cuja respiração gelada no Inverno protege a terra do aumento global da temperatura.
À semelhança da selva amazónica também a perda ou diminuição da actividade deste pulmão do frio torna a terra mais quente e logo potencia o aumento da temperatura média da Terra.
Ambos são reguladores climáticos do planeta, e ambos estão ser destruídos pela acção do Homem.
À minha frente, à velocidade de passagem do comboio por aquelas paragens, as alterações climáticas passavam à frente dos meus olhos e preocupavam-me seriamente.







Para o Lago Baikal, por favor


Era domingo de manhã e a estação estava quase deserta. 
Atravessei o átrio e desci as escadas à procura da minha carrinha. Curioso, olhei cima para o letreiro que identifica a estação no topo da estação.
Tal como em Novosibirsk, depois de alguns dias na Rússia e sabendo previamente onde estava, era capaz de ler os caracteres cirílicos do letreiro - Irkutsk.

Estavam meia dúzia de carros estacionados e umas três carrinhas paradas. Procurei a minha.
Tinha previamente combinado com o condutor a hora de chegada a Irkutsk. Ele deveria ter um pequeno papel identificativo com o meu nome e a minha proveniência. Nenhuma delas estava identificada.

Apostei na que estava mais próxima de mim.
Uma preta, com vidros escurecidos e autocolantes e na lateral na carrinha autocolantes de silhuetas de mulheres semi-nuas em poses sensuais.
Era a única que tinha a porta aberta com um dos pés assente no chão. Apresentei-me a ele.
- Olá, chamo-me Pedro Costa, venho de Portugal. Procuro o transporte para Listvyanka. É você o meu condutor?
Encolheu os ombros e abriu os olhos ao mesmo tempo sem dizer nada.

As outras duas carrinhas, uma de cor amarelo torrado com o condutor adormecido e uma outra cinzenta de porta aberta com o condutor a ler um jornal qualquer. 
Fiz a mesma introdução, outro encolher de ombros e uns abanares de cabeça.
Sentei-me nas escadas à espera na esperança que talvez aparecesse a minha carrinha. Quinze ou vinte desesperados minutos depois e sem mais nenhum comboio ter chegado entretanto, a carrinha preta, a primeira que tinha abordado, ostentava na frente do vidro o meu nome e o meu país...


Foi talvez hora e meia de caminho sem pressa até Listvyanka. Assim que se saiu da influência urbana de Irkutsk a estrada tornava-se silenciosa. Bucólica, de piso regular ladeada de árvores que abraçava os dois lados do nosso caminho. 
Dentro da carrinha, havia pequenos lenços de rendas brancas cosidas ao tecto e ao forro da porta. Pendurado no retrovisor uma esfera de espelhos tipo disco sound concluía a decoração interior.

O tempo cinzento e uma neblina diáfana suavizava as cores e tingia de mistério a paisagem que se atravessava. Eram poucos os carros que connosco se cruzavam.
Rapidamente o lago apareceu e durante quase todo o tempo andámos lado a lado.
Fiquei na marginal junto ao lago. O condutor não sabia onde era o hostel e largou-me lá sem grande explicações. 
Um estreito murete branco que separava o asfalto das pedregosas margens do lago, contrastava fortemente os cinzentos do dia e da paisagem.






Listvyanka


À distância não era muito fácil perceber onde acabava o lago e começava o horizonte ligeiramente montanhoso desvanecido na penumbra cinzenta do horizonte.
Cinco jovens desafiavam com gritinhos as frias temperaturas do lago enquanto algumas pessoas percorriam a pé ou corriam pela marginal.
Caminhando para o hostel ao longo da marginal via as casas que tinham aparecido na janela do comboio. As tais com ripas de madeira escura e cercas de estacas.
Eram simples com grandes janelas de duas portadas e frontões imponentes. 





Apenas uma, ou com duas e por vezes três janelas lado a lado elas preenchiam as fachadas das casas.
As janelas eram decoradas com cortinas de rendas. As suas molduras e cercas eram de cores variadas. Azuis intensos, verdes saturados e brancos.
No interior, nos parapeitos viam-se bonecas, vasos com flores e pequenos utensílios de cozinha. 
As portas eram igualmente simples e também elas de madeira.



À medida que me aproximava do centro da pequena vila, o aumento de pessoas e de movimentos aumentava consideravelmente. Era ali que tudo se passava.
Perguntei várias vezes onde era o hostel. Descobri que era próximo dali.

Uma pequena subida por uma estrada mal amanhada com vários gatos que olhavam para nós sem receio e a cruzavam saltando de jardim em jardim como se aquela apertada ruela tivesse sempre o reino deles.
Um cão espreitava com o focinho por entre a folga dos portões de madeira quem passava. Ora avançava ora escondia-se numa indecisão entre o receio e a curiosidade.





As casas mantinham a sua simplicidade. 
À medida que me embrenhava na subida e me afastava do centro comercial de Listvyanka, estas pareciam ir estando cada vez mais mal tratadas. Algumas queimadas, outras quase abandonadas acusando as marcas que o tempo particularmente inclemente do inverno deixava nelas.
A cor da madeira tornava-se de um cinzento algo doentio. Descoloridas, envelhecidas e quase sem sinais de vida.





A determinada altura da subida, esta bifurcava em duas estradas de terra batida, uma para cada lado. Na ausência de qual escolher, optei pelo lado direito onde uns cavalos pastavam. Foi uma boa opção. Era mesmo por ali.
Algumas horas mais tarde e em plena escuridão foram eles que me ajudariam a encontrar o caminho de volta para o hostel.

O eco-hostel era todo de madeira ainda com algumas alas em construção. Material de carpintaria andava espalhado pelos cantos e cheirava a verniz, resinas e a colas. Tábuas e aparas de madeira cobriam parte do chão dessas alas. Os quartos muito simples e estreitos eram todos feitos de ripas e tábuas madeira.
Dois cabides de pé, uma mesa, uma cadeira, e uma janela quadrada tudo feito com as mesmas ripas de madeira.

No jardim havia matrioskas douradas um pouco por todo lado em tamanhos XL e XXL, misturadas com joaninhas, duendes, cogumelos e grandes pedras arredondadas com aranhas pretas metálicas a subir por elas.
Uma pequena fonte e uma espécie de coreto de madeira com uma mesa redonda rodeados por bancos corridos de madeira no meio da relva aparada, completavam a decoração kitsch do jardim.

Tomei conta do quarto. Depois de um banho purificador e com roupa limpa, desci pelo mesmo caminho, passei pelos cavalos e pouco depois chegava ao muito movimentado Lago Baikal.



Comentários

  1. Andei a viajar um pouco por aqui...li, olhei, vi, deliciei-me.
    Vou fazer uma pergunta que deve ser pateta, mas faço na mesma. Tu fizeste todas estas viagens? Foste a todos os países que aparecem aqui mencionados?
    Se sim, Deus meu! Que "imbeja":)))

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    Respostas
    1. Oi Andorinha

      Felizmente sim. Mas infelizmente não estão todos aqui colocados. ;)
      Só cerca de um terço é que estão aqui listados. Pode parecer que são muitos, mas não são.

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  2. Não falo mais contigo, Pedro:)
    Fiquei em "estado de choque"!!!!!

    Bom sábado, apesar de tudo lol

    Não leves isto a sério, sou muito brincalhona. Mas que fiquei com uma inveja danada, fiquei.)))))

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