Transiberiano, Rússia - Irkutsk, uma cidade gourmet


Listvyanka e o Lago Baikal de boas memórias iam ficando lá para trás à medida que me aproximava de Irkutsk. 
Tive pena de não ter ido até à ilha xamanista Olkhon, a maior ilha do lago.
Enquanto revia as memórias dele tinha a consciência que não tinha visto o meu Baikal. A verdade é também sabia que não o iria ver.

O meu Baikal tem Listvyanka toda coberta por um frio edredão branco e o seu lago tem as suas águas transformadas num gigantesco lençol gelado de azul cristalino e com esculturas de gelo formadas pelas águas solidificadas a ornamentarem-no. 
Posso passear por ele e ir de 4X4 até à ilha Olkhon conhecer as suas lendas e espíritos.
Tudo isto bem emoldurado por um frio de estalar.

Esta é a imagem que eu tenho na minha cabeça enquanto regressava a Irkustsk. Aliás é uma imagem recorrente. Não só do Baikal mas de toda esta viagem. Mesmo ainda antes de embarcar nela.



Irkutsk e Tolkien


O contraste dificilmente poderia ser maior. Como o Gandalf de Tolkien.
De cinzento mortiço da Irmandade do Anel ao branco fulgurante de as Duas Torres.

À frieza e à monotonia da arquitectura dos edifícios de Novosibirsk, contrapõe-se o acolhedor colorido histórico de Irkutsk.
Aos rostos inexpressivos e mortiços dos habitantes da primeira, vemos os olhos vivos e conversadores da segunda.






À ausência de história de uma cidade que surgiu com a linha transiberiana temos o contraste da história de uma cidade fundada em 1652 que já existia bem antes da famosa linha ferroviária.

Por esta cidade já passaram comerciantes de peles, a rota do chá e uma corrida ao ouro no início do século XIX e ainda hoje se mantém como um privilegiado centro de comércio entre Moscovo e Vladivostok e as alguns dos países da antiga União Soviética, graças à linha transiberiana e ao seu aeroporto.
Numa cidade pequena como Irkutsk, recheada de arquitectura, difícil é não mergulhar na sua história.



Dois rios, um incêndio, duas ruas e mais três igrejas


Em inícios de Julho de 1879 foi devastada por um incêndio que consumiu quase três quartos da cidade. Reconstrui-se rapidamente e por volta de 1900 ganhou o nome pelo qual ainda hoje é reconhecida - Paris da Sibéria.

Irkutsk é abraçada pelo rio Angara, mas foi buscar o seu nome a um outro rio que converge para ele, o rio Irkut.
O famoso escritor russo Anton Chekhov disse que era "quase a Europa" o que faz todo o sentido.
Estando em plena Ásia, com mais oito horas de diferença sobre Portugal, Irkutsk é surpreendentemente ocidental e de costumes francamente europeus.
Não fossem os caracteres cirílicos e as várias igrejas ortodoxas, a primeira impressão que se poderia ter era que se estava na Europa.

De uma maneira simples. Irkutsk tem duas ruas de referência e que se cruzam
A Lenin Street e a Karl Marx Street, a principal, a mais longa e comercial,
Todas as restantes ruas, quarteirões desenhados em forma de grelha derivam destas e a partir delas vai-se para todo o lado.






Da Karl Marx Street pode-se ir directo às margens do rio Angara cujo gradeamento está atulhado de cadeados de promessas de amor.

Sempre que vejo estas vontades de amor seladas, esteja onde estiver, não consigo deixar de pensar quantos destes pretendentes ao amor eterno, não terão tido em dado momento da sua vida vontade de mergulhar nas respectivas águas para encontrarem a maldita chave para se livrarem de promessas não cumpridas ou quebradas. Esta coisa do amor para sempre, não é lá muito certo. Além que o "sempre" significa mesmo muito tempo

Mas há sempre os românticos ou românticas inveteradas que acreditam na eternidade e na força do amor e na sua eternidade e que fazem que questão de o mostrar ao mundo...







Irkutsk sabiamente liga a sua história e arquitectura secular, a cidade já comemorou 350 anos de história, à arquitectura moderna e por enquanto, sem colidir uma com a outra.

Entre as várias igrejas que a cidade ostenta, há três que formam uma espécie de santíssima trindade quase completamente ortodoxa.
A Catedral da Epífania, com um interior lindíssimo, originalmente de madeira e depois destruída no grande incêndio foi reconstruída em 1815 e tornou-se um dos edifícios mais antigos da cidade.
Pode ser vista e visitada tendo por referência as margens do Angara e o Monumento aos Fundadores da Cidade que se encontra de costas para o rio e em frente à Catedral, bastando atravessar a estrada para lá chegar.









A Igreja do Salvador também inicialmente em madeira mas que sobreviveu ao incêndio de 1879 foi ao longo do tempo sofrendo alterações arquitectónicas e nos seus interiores até chegar à sua forma actual.






Por fim e situada no centro da cidade, e fora do ramalhete ortodoxo das sua vizinhas, está talvez a única igreja católica de Irktusk em estilo neogótico.
A Igreja Católica Romana ou mais prosaicamente Igreja Polaca por esta ter sido construída em finais de século dezanove por exilados polacos.






A história de Irkutsk pode ser observada um pouco por todo o lado. Fora das avenidas principais, meio escondidas delas, estão as tradicionais casas de madeira siberianas que já tinha encontrado em Listvyanka, com janelas de frontões elegantes.
Algumas dessas casas estão claramente decadentes e inabitadas devido ao risco de colapsar por causa da sua notória inclinação. Mas de alguma maneira elas têm sido mantidas assim.
Por vezes vemos janelas a rasar o passeio e é possível ver sinais que algumas estão habitadas. O que é surpreendente dadas as condições em que estão.






Uma cidade gourmet


Além de ser o ponto de partida para o Lago Baikal, Irkutsk serve também para esticar as pernas.
Andar descontraidamente, espreitar aqui e espreitar acolá, parar um pouco e entrar pelos jardins e parques.






Ver a sua arquitectura e sentir a sua densa história em frente aos nossos olhos e ao mesmo tempo debaixo dos pés.
É uma cidade dinâmica, jovial, com a média de idade da população a rondar os 36 anos, confiante no futuro, cheia de cores e descontraída.
Tem comércio, pequenos mercados e lojas de luxo. Museus, teatros, bares e cafés e pode-se alugar bicicletas para andar pela cidade.

Irkutsk é um prato bem apresentado. Servido com uma mistura de sabores exóticos com sabores europeus. Acompanhado por uma bebida à base de uma intensa história misturada com uma modernidade bem presente mas ainda não excessiva ao ponto de a descaracterizar.
É fresca como uma fonte que nos salpica o rosto ou uma corrente de ar fresco renovado em dia de verão.

Para quem se dirige para sul e entrar em plena Ásia, para o Lago Baikal, após quatro dias de viagem de comboio ou vá até à outra extremidade da Sibéria em Vladivostok, uma paragem na colorida Irkutsk, é imperativo e um descanso para o corpo e para os olhos sobrecarregados pela taiga.






Comentários