Oslo, Noruega - o estranho mundo de Gustav Vigeland

São três nomes pesados da cultura norueguesa. E todos eles deixaram a sua marca na capital. 
O pintor Edvard Munch, o escultor Gustav Vigeland e o contemporâneo arquitecto da Opera House, Tarald Lundevall.
Se o terceiro marca a paisagem citadina através da sua arquitectura, nomeadamente a Opera House de Oslo, o primeiro pinta as fragilidades do ser humano. Edvard Munch retrata a doença, a morte, a a ansiedade, a angústia e o desespero. O Grito de Munch é um quadro universal onde os temores humanos estão bem vincados. Tem um museu que lhe é dedicado.


Mas é o segundo que atrai milhares de pessoas anualmente para o seu parque.
Gustav Vigelund é escultor mais conhecido da Noruega e o que teve (e tem) maior impacto fora do seu país.

Com cerca de novecentos metros de comprimento, o muito surreal e simbólico instalação de esculturas de Gustav Vigeland no Frogner Park é imperdível.

É um parque, dentro de outro parque. Um imenso trabalho de escultura. O maior do mundo feito por um único escultor. 
O seu autor nunca chegou a ver a sua instalação concluída. Morreu em 1943 e o parque ficaria pronto sete anos depois.

E pelo meio desenhou a actual medalha do prémio Nobel da Paz. Com as mesmas características do seu parque. Num dos lados o perfil de Alfred Nobel, no outro, três homens nus unidos num abraço tripartido.



- Apanhe o tram 12
- Mas seu eu quiser ir a pé? Qual a direcção?
- Vá sempre em frente e quando chegar a um cruzamento pergunte por novas direcções. Mas o melhor é ir no tram 12.
Caminho uns duzentos metros e chego ao cruzamento e nova pergunta.
- Estou a ir bem para o parque Vigeland?
- Sim. Tem uma paragem do tram 12 muito próximo daqui.
- Indo a pé estou na direcção correcta?
- Sim. Ao fundo desta rua vire à esquerda e pergunte por aí indicações mais precisas. Mas ainda vai demorar um pouco.
E de pessoa em pessoa e com muitas sugestões de tram 12, caminhando cerca de três quilómetros e durante quarenta minutos a partir de Oslo S, chego ao Frogner Park, conhecido por Parque Vigeland.




Parecia que os pais puseram uma criança numa creche e lhe disseram:
- Olha diverte-te por aí que o pai e a mãe já te vêm buscar. Brinca e usa os materiais que quiseres.
E demoraram mais tempo do que deviam.
Quando voltaram para o ir buscar, a criança tinha obedecido à letra as recomendações que lhe foram feitas pelos pais e tinha enchido furiosamente, com uma imaginação algo retorcida, o parque com esculturas de bronze e granito.

Não é esta a história do parque Vigeland, mas bem podia ser.


São mais de duzentas estátuas todas nuas. Nenhuma está vestida. Uma celebração do corpo em todo o seu esplendor e decadência.
Descrevem os ciclos de vida e de morte. As emoções que fazem parte do ser humano.
A maternidade, a beleza, o relacionamento entre pessoas, pais e filhos. A protecção, ternura, ira, violência e a morte.
São dinâmicas, nenhuma é estática. Têm objectivos. Fazem algo ou vão para algo.
Não têm títulos ou nomes. Não somos presos a títulos, nem conduzidos por eles. Somos nós que vamos dar esse título.
Ou melhor, pensar a sua história. Que acontecimentos terão dado à origem do episódio, o sentimento e emoção que observamos.
Dado o forte simbolismo que as estátuas encerram, as suas interpretações por vezes são difíceis de perceber.

O parque estava pálido de neve. Do branco, sobressaiam as árvores mais próximas de nós enquanto as mais distantes se reduziam a um preto e branco.
Sem que nada que distraísse o nosso olhar, a paisagem realçava e dramatizava as personalidades de cada uma das estátuas.

Existem três grandes conjuntos de esculturas. A Ponte, a Fonte e o Monólito.


A Ponte

A Ponte imprime a sua marca logo à entrada.
Após os portões de ferro fundido da entrada principal e atravessando a Ponte, de cada um dos seus lados, mais de cinquenta estátuas em tamanho natural podem ser vistas nos cem metros do seu comprimento. Têm poses dinâmicas. Vigeland impregnou-as de movimento e força.
Correm, dançam, abraçam, observam. Os seus olhos são penetrantes. Intensos.
Mesmo as que são estáticas, possuem em si, nas suas poses, energia, movimento em estado latente. Que estão lá não por acaso, mas sim com um objectivo.

Olhando para este conjunto, forçosamente tentamos perceber o que terá acontecido, o que terá passado pelas cabeças de cada uma delas.
São como um filme cujo fim é dúbio e portanto sujeito a várias interpretações por parte de quem o viu. As tais histórias que nos são permitidas imaginar.
Vêmo-las muito mais como seres vivos e do que como estátuas. Elas têm chama. Esta vitalidade secundariza a sua beleza.
É uma sensação estranha.







Uma figura masculina que brinca, levantando um bebé com as suas mãos. Outra igualmente masculina, afasta violentamente de si quatro bebés. Um homem adulto agride um jovem, uma mãe que abraça a sua filha, uma rapariga dança e brinca com os seus cabelos e outra aconchega um bebé nas suas mãos.

Mais tarde soube que a estátua que afasta os bebés de si, representa simbolicamente um episódio da mitologia grega. Alguém que é assombrada por demónios, representados pelos quatro bebés.




A Fonte

A Fonte que domina o parque é a mais simbólica do conjunto e também a mais surreal.
Seis gigantes suportando uma taça são a fonte. Vários conjuntos de árvores estilizadas rodeiam os gigantes.
Sobre a copa e a protecção delas desdobra-se o ciclo da vida. Começam com a representação de bebés e terminam com a morte. Um esqueleto tão semelhante como a árvore em que se encontra.
Na sua base estão os relevos mais “violentos” e surreais. Os que melhor ilustram o estranho mundo em que Vigeland vivia.
Mais uma vez entre o nascimento e a morte. Entre os sonhos e os pesadelos.

Um cavalo que escoicea um bebé para o alto, em relevos diferentes observamos uma mulher e um bebé. Aparentemente abandonados, esquecidos ou apenas a dormir. A morte empenhada em separar literalmente um casal, e há quem sonhe que flutua.
E voltamos a encontrar os demónios da Ponte.
A representação de demónios assume variadas formas. Além dos bebés, vemos lobos (representado por um homem que afasta um demónio sob a forma de um lobo) e lagartos.







Ao longo do parque Frogner existem várias estátuas de lagartos demónio abraçando, dominando, homens e mulheres. Representam o domínio do primeiro sobre os últimos.
Se encontramos episódios em que o homem exorciza os demónios. Em outros, este é escravizado por eles. Uma representação simbólica do ser humano perante os infortúnios e azares que que assolam a sua existência.




Alinhada com a Ponte são duas partes em que cada estátua e relevo funciona como uma vinheta. Ambas formam uma banda desenhada em tons de óxido esverdeado quase obsessivamente torcida sobre si própria.
Uma tira de Moebius apenas com uma superfície. Sem frente nem costas. Uma moeda indistinta de uma única face.
Vida e morte são uma só.


O Monólito

O Monólito impressiona pelas suas dimensões e complexidade.
Foi esculpido a partir de um único bloco de granito. Três escultores trabalharam durante catorze anos sob a supervisão de Gustav Vigeland.
São cerca quinze metros de altura com mais de cento e vinte figuras apoiadas, escalando entre si até atingirem o cimo da escultura.
Pretende mostrar aquilo que a Humanidade através dos tempos sempre buscou e sempre perguntou. O Santo Graal da nossa existência. O que somos e para onde vamos.
O desejo de encontrar o topo de tudo e de o perceber. O céu, a imortalidade. Atingir o lado espiritual e divino da vida.
Não de uma maneira individual, mas colectiva. Em união e empatia.




À sua volta estão conjuntos de estátuas que nos convidam a subir as escadas para o monólito. A encorajar, a insinuar que também nós podemos almejar o Topo. Encontrar um lugar naquele cone de pessoas abraçadas.
Nestes conjuntos de estátuas vemos de novo as de interacções entre personagens e o mesmo simbolismo.
A maternidade, a protecção, a juventude, a velhice, o caminho para a morte. Mães e avós que protegem as crianças. Velhos que apoiam velhos. Crianças que brincam.
A contemplação introspectiva e a curiosidade. 







Mas reduzir o parque apenas a estes três grandes blocos é perder significativamente parte da alma que Vigeland foi semeando por este espaço.
Caminhar nas veredas do parque de mãos nos bolsos deixando o tempo para trás das costas, é um poderoso calmante. Ao longo deste suave caminhar, cruzamos com outras peças de escultura.

Uma delas é o Clan. Um largo conjunto de vinte e uma estátuas.
Na parte central da estátua um grupo de pessoas, velhos, mães, crianças e jovens estão abraçados entre si numa atitude de protecção mútua mas com temos nos seus olhos.
Nas extremidades opostas deste grupo, com a mão a tocar suavemente no grupo e a protegê-los com os seus corpos estão dois homens de olhar atento ao horizonte, como se tivessem previsto uma potencial ameaça para o seu clan.
Pessoalmente é uma das estátuas mais poderosas que se encontram espalhadas pelo parque, fora dos três grandes conjuntos que o dominam.



Vigeland tinha um mundo só dele. Íntimo e complexo. Baseado no nosso mas diferente do nosso.
Que tipo de homem seria? Alguém social? Como seriam as suas relações com as outras pessoas?
Fácil de lidar? Seria alheado da realidade por viver exclusivamente nesse seu mundo?
Com tanta ênfase sobre a vida e a morte, como teria ele lidado com estes conceitos?
E como seriam os seus sonhos e pesadelos?


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