Tromso, Noruega - Snow White

Drobak no inverno é uma dondoca. 
Acorda sem pressa, vira-se para o lado enrolada no cobertor, vira para o outro e enrola-se ainda mais no cobertor.
Levanta-se tarde, estremunhada e cambaleante. Fica a olhar para o armário indecisa, sobre qual a roupa a vestir. 

Toma um prolongado banho quente de imersão a encher de vapor a casa de banho.
A seguir, um pequeno almoço pausado e bem recheado. Sai para a porta, sente a mordida do frio e diz “brrrrrr” e a custo cruza a porta para a rua.

Tromso, é uma jovem.
Ao acordar, faz um breve rosnado de protesto e esfrega as pernas uma na outra. 
Faz festas no gato, espreguiça-se num prolongado bocejo. A roupa está pendurada na cama, talvez ainda do dia anterior e vai com ela para a casa de banho.
Sai do banho já pronta.  Toma um pequeno almoço rápido, sai para a porta, sente o bafo do frio e diz “hoje até nem está mau”, sem problemas cruza a porta e vai à vida.



Tinha decidido na noite de chegada, que na manhã seguinte era para acordar cedo.
Não para assistir ao nascer do sol, mas para ver a cidade a acordar sob a luz dourada das mais recentes horas da manhã.
Foi exactamente isto que vi quando abri as cortinas do meu quarto ao sol do árctico.




Mas também estava curioso com os fiordes. Que magia teriam eles, agora que não estavam banhados pela luz metalizada da Lua, mas sim pela luz rasante do sol matinal.

Não tinham.
Na sombra eram uma massa indistinta de preto e branco. Difícil de perceber onde começava um e o outro. Fiapos brancos da neve sobre uma pelada preta das árvores.
Debaixo da luz solar, no lado direito, no horizonte brilhante, os fiordes refulgiam de branco intenso.
As cores dos barcos e a neve ganham um contraste particular.
De novo, onde o sol incide, eles brilham mas sem fulgor excessivo, onde bate a sombra são mortiços.

Há um mistério na luz lunar que desaparece com a luz solar. O sol desvenda tudo, a Lua sugere, mostra sem revelar.




Os barcos apresentavam uma camada de neve e gelo em certas zonas das amuradas e onde as inclinações das estruturas eram maiores, formavam-se pequenas estalactites.

Uma escavadora sistematicamente despejava nas águas escuros azuis do porto, com um ruído surdo, pás cheias de neve que tinham impedido os caminhos e as ruas horas antes.
Estava-se muito bem aqui.
As cores, os barcos a querem ganhar vida, batendo nas paredes do porto, a escavadora a ir e vir, num silêncio já algo danificado, mas não insuficientemente para não ser apreciado.




E lá longe, por trás do fiorde, conseguia imaginar a Corrente do Golfo a passar ao largo de Tromso, a largar os seus últimos sopros quentes, antes de mergulhar profundamente nas águas frias e pouco salinas do Mar da Noruega.

Alguns algerozes têm água congelada. Ficam unidos ao solo por uma corrente de água que escorreu mas que o frio impediu que fluísse numa grande poça.
Assim fica só uma pequena elevação que pouco se diferencia das irregularidades do chão gelado.
É preciso querer ver, para se ver estes detalhes que o frio do Grande Norte nos mostra de uma maneira dissimulada.


As horas avançavam pela manhã dentro e a cidade tornava-se igual a outras cidades. Havia tarefas a cumprir, lugares a chegar. O movimento da rotina diária, bem engrenada, fluía ao ritmo certo.
Sem pressas, sem correrias. Não havia buzinadelas, não havia trânsito excessivo.
Alguns pesados dirigiam-se para o porto. Muitas pessoas a pé, outras de bicicleta. Carrinhos de bebé estavam transformados em trenós.
Mas o branco conferia-lhe romantismo, quietude e pureza.




O Augusto disse que um dia eu teria que vir no verão. Naturalmente as temperaturas sobem.
A paisagem, a cidade, a vida, muda drasticamente. As cores imperam.
Os verdes cobrem os fiordes, os azuis mandam no céu. Há amarelos e o branco que se vê não são da neve, mas das flores ou das nuvens.
As pessoas andam de rosto mais aberto e fazem piqueniques.


Redutoramente não me imagino a ir a Tromso de verão.
Se o fizer, a cidade, as suas ruas, os fiordes, a simplicidade das paisagens, tão bem pintadas de branco e laivadas de preto, serão desvanecidas pela luz, pelo colorido excessivo.

Um país nórdico de verão, não está no meu imaginário. Não preciso do verão para ver cores brilhantes e fortes.
Um sol baixo e uma tela de neve a brilhar e todas as cores que sejam inseridas neste palco, são fortes, atraentes e bem contrastadas.
Tornam-se quadros dinâmicos pendurados numa galeria ao ar livre, onde paramos para apreciarmos as cores. Misturas de pinceladas, da Natureza com a do Homem.




Como em todo o lado onde o branco da neve domina, esta confere paz, quietude e pureza aos lugares que são tocados por ela.
O facto de Tromso ser pequena e estar situada numa ilha acrescentava-lhe um ar pacífico e acolhedor.
Ela abraçava-me e eu retribuí-lhe o abraço.

Declaradamente seria uma das duas cidades, do mundo que já tinha pisado, onde viveria de bom grado (mesmo com cores do verão).
A outra seria a minha adorada Florença.


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