Tromso, Noruega - Tromso, Tromso, Tromso

Tromso, Tromso, Tromso.
No fundo este era o objectivo final da minha viagem à Noruega. Oslo e Drobak eram uma antecâmara para Tromso.
Porquê este frémito todo por uma cidade que se localiza numa ilha bem dentro do círculo polar árctico?

Porque é a primeira que vez cruzo esse mítico círculo e porque é nas latitudes próximas do Grande Norte que existem as maiores e melhores hipóteses de se observar as Auroras Boreais ou as Luzes do Norte.

Eram estas cortinas espectrais que resultam da colisão do plasma solar - partículas electricamente carregadas com origem no Sol - com o campo magnético da Terra e com os elementos químicos que constituem a atmosfera que primariamente me levaram a viajar para um país nórdico.

É nas zonas polares, onde o campo magnético terrestre é mais intenso que as auroras são visíveis.

Dependendo dos elementos químicos (essencialmente azoto e oxigénio) e da sua altitude. a cor das auroras varia.
São verdes se a interacção é feita com o oxigénio a relativamente altas altitudes (200 km) e vermelho se for nas baixas altitudes (100 km). As tonalidades azuladas resultam da colisão da interacção com o azoto nas camadas superiores da atmosfera, enquanto tonalidades avermelhadas e rosadas acontecem nas camadas inferiores.

Mas não estava só. 
Augusto, um colega e um bom amigo, a viver há alguns anos em Kongsberg estava igualmente metido neste anseio.
Tínhamos combinado encontrar-nos num determinado comboio regional para o aeroporto de Oslo e daí apanharmos um voo da Norwegian para Tromso.


De Oslo a Tromso é um voo de cerca de duas horas. Estava cheio.
Augusto e eu estávamos em lugares separados. Ele à janela, eu no corredor umas duas filas atrás. 
A dada altura vejo-o a colar-se cada vez mais à janela, a esborrachar a cara contra o vidro e as mãos em concha, quase brancas com a força que fazia, para evitar que a luz entrasse naquela câmara escura improvisada.

Com os olhos abertos de espanto e a pesar bem cada palavra, para ter a certeza daquilo que estava prestes dizer:
- Pedro. Creio que estou a ver uma aurora.
- Treta! Do avião não se vê as auroras e de certeza que é o reflexo de algo na janela.
Em modo automático e com o rosto muito sério replica:
- Pedro. Ela tem uma forma de uma cortina. É verde. – Há algum tempo que ando a tentar perceber se é ou não um reflexo. Não me parece que seja.
Olhei à volta dele para ver se havia algo verde que pudesse dar origem a um reflexo daquela cor. Um lenço, um blusão, uma mochila, um livro. Não encontrei.
- Pedro, é melhor vires ver.
Levantei-me do meu assento e troquei com o meu colega. Tal como ele, esborrachei o nariz contra a janela com as mãos em concha à volta do rosto.
Lá estava a cortina ondulada. Ténue, espectral, de um verde muito bonito. Curta em altura, mas muito extensa. Disse uma asneira e arrepiei-me todo.
Virei-me para o Augusto que estava sentado no meu lugar. Assentiu com a cabeça e sorriu.


As mochilas demoraram a aparecer no tapete. Era quase uma da manhã.
Por pouco não apanhávamos a última ligação para o centro da cidade que partia do aeroporto.

Estando no círculo polar árctico, de novo perpassava por mim a ideia que à saída do aeroporto, rapidamente me tornaria num cubo de gelo como o pobre Scrat algures num dos episódios da saga Idade do Gelo.
Mas muito longe disso. Para uma noite polar estavam uns muito amenos -3ºc, que permitiriam depois de colocar a mochila no hotel ir confortavelmente passear pela cidade e ainda beber um copo num dos bares abertos próximo do porto de Tromso.

Tromso sofre a influência da Corrente do Golfo.
A Corrente do Golfo tem origem no Golfo do México. É uma corrente superficial, que transporta consigo o calor captado nas zonas equatoriais, libertando-o ao longo do percurso que faz pela Europa Ocidental até ao atlântico norte.
 
É precisamente no Mar da Noruega, que banha Tromso, que ela exala pela última vez o seu calor equatorial antes mergulhar profundamente - tornando-se uma corrente de profundidade - nas águas polares, onde elas são mais frias, menos salinas e portanto menos densas.
Ela passa em profundidade ao longo do continente americano na costa atlântica, até ao ponto em que mais uma vez em contacto com as águas mais quentes, salinas e densas do Equador, a Corrente do Golfo torna-se de novo superficial, repetindo todo o ciclo de aquecimento até ao Mar da Noruega.

O grande problema de Scrat e que eu não estava a enfrentar, é que nas eras glaciares a Corrente do Golfo estava parada ou significativamente mais lenta. Este cobertor no estado líquido não se fazia sentir na altura. A consequência disso foi a Idade do Gelo.
Algo que fortemente nos arriscamos que aconteça se o ritmo de degelo dos glaciares se mantiver tão acelerado como actualmente, devido às alterações climáticas provocadas pela nossa desregulada actividade industrial.


Nessa noite pela segunda vez ficaria deslumbrado.
Do porto, olhando para a minha frente, desfilava o fiorde. Maior, mais imponente e com mais neve que o de Oslo.
Iluminado pela lua em quarto crescente e ligeiramente recortado contra o céu escuro, o fiorde parecia coberto por uma muito fina folha de metal dobrada ao sabor das suas curvas, reflectindo gentilmente o irreal brilho metalizado do luar.


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