Noruega - como a vivi

O planeado e muito desejado quadrado amoroso acabou num triângulo.
De Oslo, Drobak, Tromso e auroras, acabou só nos três primeiros. Mas foram elas que me levaram até à Noruega.

Bem pensado, até as vi. Não foi como gostaria e como imaginei: numa paisagem gelada, aberta até ao infinito pontuada aqui e ali com umas montanhas, semeada com árvores e longas e diáfanas cortinas coloridas a bailarem nos céus.
Em vez desta onírica imagem, foi prosaicamente através das janelas de um avião que as vi. Mas estavam lá e eram lindas.

Ver auroras é uma experiência que não se esquece, é profundamente espiritual. 
A 21 de Outubro de 2012 estive em Macchu Pichu, nos andes peruanos. Após algumas horas mergulhada profundamente numa densa neblina matinal, cheguei às seis da manhã, a cidade perdida dos Incas, à medida que a temperatura matinal subia, foi-se revelando pouco a pouco como uma mulher que se despe devagar, sensualmente até se descobrir totalmente. 

O impacto daquela imagem, daquela aparição, tão desejada ao longos dos anos foi estonteante, fez-me cair de joelhos perante tal visão.
Não fazia sentido cair de joelhos no corredor de um avião cheio de pessoas. Mas o impacto de as ver foi grande. 

Pode não ter sido o tal quadrado amoroso, mas saí da Noruega com mais que um triângulo. Levava comigo um quadrado um tando deformado com quatro lados de comprimentos diferentes.
Nem sempre se pode ter tudo, mas pelo menos tive muito.


Foram as Luzes do Norte que me levaram à Noruega. O segundo maior produtor de petróleo da Europa, o grande motor da economia norueguesa e um dos países com maior qualidade de vida do mundo.
Um país com uma realidade bem diferente da nossa, diria quase oposta à nossa.
Começa com algo inimaginável e impensável para nós. Os políticos confiam no seu povo, o povo confia nos políticos e consequência disto, o povo confia no povo.

Em Tromso, onde alugámos o carro, o senhor disse para pegarmos no carro e quando o entregássemos que a chave dele fosse colocada dentro de uma caixa de madeira que estava no exterior da agência com uma tampa que abria e fechava, sem cadeados, correntes ou fechaduras.

Toda a sociedade norueguesa assenta nesta premissa: confiança mútua a todos os níveis.
Sem ela, ou se ela for frequentemente quebrada, a Noruega tornar-se-ia, seria... Portugal. Ninguém confiaria em ninguém e todos suspeitariam de todos.


Tudo que seja norueguês é pacifico. O trânsito, as rotinas diárias, flui de uma maneira simples e elegante, como se tivessem o controlo do tempo.
Não põem o pé na poça, mas conseguem chafurdar e partir a loiça nas escondidas da noite e da privacidade se tal lhes apetecer.

Usufruem intensamente do seu país e das paisagens que têm ao seu dispor. É frequente as pessoas andarem de bicicleta e a pé em temperaturas que fariam os (poucos) portugueses acalorados arrepiarem-se.
É um povo desportista e amante da actividade física, esqui, corrida, caminhadas, acampamentos, o quer que seja desde sejam actividades outdoor.

São fechados e frios. Estão longe de serem um povo hospitaleiro, apesar de a quantidade de estrangeiros que vivem na Noruega ser imensa, certamente mais do que gostariam, mas se precisarmos deles são cordiais e delicados.

Têm uma cultura forte e muito rica. E exibem-na com orgulho.
Escultura, pintura, arquitectura, estão bem presentes nas cidades, nas suas ruas e nos museus.
Gostam do seu passado e preservam-no muito bem sem descurar a modernidade e a integração destas duas filosofias.

As rectas minimais da elegante da Opera House de Oslo, o peculiar edifício do museu Polaria em Tromso de arquitectura mais desenfreada e divertida - um conjunto de dominós brancos a cair uns sobre os outros - até a elegância moderna e bem integrada na paisagem de Tromso da Catedral do Árctico.
A Catedral é um conjunto, por dentro e por fora, de triângulos brancos (como os que posicionam as bolas de snooker) verticalmente encaixados uns nos outros.
Para lá chegar, de Tromso, atravessa-se uma ponte com cerca de quilómetro e meio para Tromsdalen (o vale de Tromso).


A Noruega é, até ao momento, um dos países mais organizados, mas não excessivamente, como os assépticos suíços, onde já estive.
Nada é grande ou gigantesco. Por isso consegue transmitir aconchego e ser acolhedora. Sabe receber quem o visita.
Um país de fantásticas paisagens naturais. Lagos, imponentes montanhas, coloridas casas semeadas quase aleatoriamente nas paisagens, cascatas, vales glaciares e claro, os próprios glaciares.
Os fiordes noruegueses são míticos e portanto imperdíveis. É pior do que ir a Roma e não ver o papa. Isto admitindo que ver o papa ao vivo tem algum tipo de interesse.


E se alguém fizer a ligação do Bosque da Noruega com a Noruega, obviamente, tem razão.
É um gato local, viking. É um dócil e espectacular gato, que visualmente mantém traços selvagens, mas está muito longe de o ser.
É imponente, musculado, de longa pelagem, cerrada, impermeável à água e ao frio. Literalmente desenvolveu-se nas florestas e bosques noruegueses, desde há cerca de três milénios, onde adquiriu e fez evoluir estas características peculiares.
Sim, eles andam no meio da neve e do frio como se nada fosse, se bem que na agência onde o carro foi alugado, estava um dentro da sala aquecida, em cima de uma cadeira almofadada que nem se mexeu quando lhe fiz festas.
Todos farinha do mesmo saco.


Sem ter visto as minhas auroras boreais nas condições que imaginei, tenho o melhor pretexto possível para voltar a um dos países mais interessantes e fascinantes (e caros!) da Europa.
Será com uma rota diferente da que fiz nestes dias, mas sempre para desaguar no Grande Norte, onde a quente Corrente do Golfo ainda consegue amenizar as invernais noites de Tromso.


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