Irão - a preocupação da imagem



Dois problemas preocupam de sobremaneira os iranianos: a imagem do Irão no exterior e a maneira como o Islão e os muçulmanos são vistos nos países não muçulmanos.

Ao percorrer as ruas de qualquer cidade iraniana e sendo abordado pelas clássicas perguntas facilitadoras de conversa "de que país és??" ou "qual o teu nome??", vêm logo de seguida as exclamações que universalmente e irritantemente reduzem Portugal a um conjunto de três nomes ligados ao futebol - Cristiano Ronaldo, Luís Figo e Carlos Queiroz - os iranianos fazem a seguir as perguntas mais importantes para eles:

- Porque o Irão tem a imagem que tem?
- Como nos vêm na Europa?
- Como é visto o Islão no teu país?

A conversa segue o seu rumo normal. Depois pedem que no regresso expliquemos aos nossos amigos e conhecidos que transmitamos que o Irão é um país estável, seguro, que está em paz e que não tem nada a haver com atentados terroristas, apesar de à sua volta acontecer o contrário.



À excepção dos antipáticos russos e dos rudes egípcios, é um lugar comum dizer que o povo de um determinado país é hospitaleiro, simpático e de sorriso fácil.
No entanto quando se fala do Irão, este lugar comum é levado para outra dimensão.
O povo iraniano é realmente simpático, é realmente hospitaleiro e é curiosamente genuíno sobre quem visita o seu país.
Abrem as portas das suas casas, partilham chá nos picnics, oferecem os seus doces nas carruagens dos metros, as padarias frequentemente oferecem o seu pão.

Cai pela base a imagem clássica de um país muçulmano violento, perigoso, intolerante e inacessível perante quem não o é, perante os ditos "infiéis".
É uma preocupação constante por parte dos iranianos, saber como é que o seu país é visto pelos países de quem os visita e perceber como é que o Irão tem uma imagem tão violenta no exterior.

Se com atenção, ouvirmos e lermos as notícias, verificamos que é nos países periféricos que a maioria dos conflitos se dá.
O Irão é notícia devido a isto. Leva por tabela. No entanto é uma ilha de razoável estabilidade e paz no meio de uma zona que anda permanentemente à lapada.
É natural que haja tensão nas suas várias fronteiras.

A presença do "estado islâmico" no Iraque, que faz fronteira com o Irão, o declarado apoio iraniano ao regime sírio de Bashar al-Assad, onde também o "estado islâmico" está presente e em guerra com a Síria, contribui para este estigma de país perigoso.
Apesar de contrária e com intervenção militar contra ela, a directa associação a esta organização terrorista, à sua inenarrável violência e à interpretação extremamente fundamentalista do Corão, contribui para a contaminação da imagem do Irão e do próprio Islão no exterior.

Em Janeiro deste ano, o líder espiritual do Irão, Ali Khamenei, mostrava a sua preocupação com esta questão ao endereçar para a juventude muçulmana na Europa e Estados Unidos, uma mensagem sobre a islamofobia e a deturpação do Islão no ocidente.





Volvidos mais de trinta anos, a Crise dos Reféns da embaixada americana é tristemente famosa e ainda está fresca na memória,
Activistas anti-americanos em plena revolução islâmica, invadiram a embaixada americana em Teerão fazendo reféns 52 americanos durante anos de 1979 e 1981.
A CIA fez um espectacular resgate destes reféns numa operação que se chamou Argo, precisamente o título do filme que Ben Affleck realizou para descrever este resgate.
Esta embaixada deixou de existir em Novembro de 1979. Desde então que o Estados Unidos não têm representação diplomática no Irão até aos dias de hoje.

Este acontecimento provocou uma mudança decisiva na presidência norte-americana e na condução da sua política externa. Jimmy Carter deixou de ser o presidente e para o seu lugar foi o cowboy Ronald Reagan...
As pinturas feitas nos muros da antiga embaixada relembram a raiva e o anti-semitismo apontados aos americanos e judeus a pedido directo de Khomeini.

O mais conhecido destes murais exibe a Estátua da Liberdade com um rosto em forma de caveira.





A famosa guerra Irão/ Iraque de 1980 a 1988 pôs estes dois países na ribalta pela pior das razões.
Os líderes na altura eram dignos um do outro: o ditador Saddam Hussein e o Ayatollah Ruhollah Khomeini.
Mas este conflito não foi iniciado pelo Irão.

Após a Revolução Islâmica de 1979 liderada pelo Ayatollah Khomeini e tentando aproveitar a desorganização causada por esta, o Iraque decidiu invadir o Irão com objectivo de recuperar parte das fronteiras que tinha cedido ao Irão em 1975 e conquistar a província iraniana do Cuzistão, rica em petróleo.

Oito anos depois esta guerra terminaria ficando tudo como estava inicialmente. Não houve qualquer tipo de ganho de parte a parte com este conflito, muito pelo contrário. O resultado foram centenas de milhares de vidas ceifadas, dividas gigantescas contraídas por ambos os países, além de terem sido lançadas as sementes para a Guerra do Golfo de 1991 quando o Iraque invadiu o Kuwait por causa do petróleo deste.

Hoje, um pouco por todo o lado, nas ruas, nas estradas, nas praças, nos bazares ou monumentos estão colocados cartazes com os rostos dos combatentes com os seus nomes, considerados mártires de guerra.

Cruzar-me com estas fotografias ou desenhos destes combatentes mortos, sentia tristeza. Não tanto pela sua morte, mas pela inutilidade da sua morte.
Rebeldes sem causa. Uma luta esvaziada de sentido. O seu país não tinha ganho nem perdido nada com a sua morte.

Porém ao olhá-los, olhava para um espelho. Por cada rosto iraniano, havia um correspondente iraquiano. Também o Iraque não deixa que o esquecimento se derrame sobre os seus mortos, os seus mártires, e também sobre estes também pesa inutilidade das suas mortes.
Mártir é uma palavra moralmente enganadora. Ambos os países tentam através dela dar um sentido, uma justificação, uma nobreza que definitivamente não pode ser encontrada.








Alguém que anteriormente tinha estado no Irão tinha-me dito:
- Pedro, uma coisa é a política iraniana, a outra é o povo iraniano. Estas realidades não podem ser confundidas. Se a primeira deixa algo a desejar, tem um passado negro, violento, difícil de limpar e esquecer, a segunda é extraordinária e faz-nos apaixonar pelo país.

Bem verdade.


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