Egipto, Assuão - o nome do puto


Para chegar aos templos de Abu Simbel situados muito próximo da fronteira do Egipto com o Sudão, nas margens do Lago Nasser, no lado ocidental do rio Nilo, é preciso levantar bem cedo.

São quatro da manhã. Autocarros em fila. cheios de gente, à espera da autorização da escolta policial, para atravessar quase trezentos quilómetros de areia do deserto da Sara em cerca de quatro horas.
Desde os atentados terroristas de 1997 no templo da Rainha Hatshepsut - possivelmente a única faraó feminina da história do Egipto - que os turistas que visitam o templo de Abu Simbel saem sob escolta. Carros de policia à frente e atrás.
Curiosamente o regresso é feito no momento em que os autocarros ficam prontos para regressarem a Assuão. Sem hora marcada, sem hora marcada, sem fila indiana. A escolta não é feita no sentido contrário.

A área é monotonamente colorida. 
Uma palete de três cores: um pujante amarelo enfraquecido de cores do deserto, o azul brilhante do céu e o verde azulado do lago, 
Algumas palmeiras situadas do lado direito dos dois templos, parecem que nunca conheceram o verde exuberante das sua congéneres das zonas mais frescas. Têm a cor arenosa da paisagem profundamente entranhada em si, 
O amarelo seco e desidratado impera por aqui. Mas não fica mal.






O ego de Ramsés II era colossal. Gigantesco. Algo comum a todos os faraós.
O mundo era pequeno para ele. Precisava também do céu.
Foi quem erigiu os dois templos de Abu Simbel.
Um para si outro, o maior, e outro, o menor, para a mais amada das suas várias mulheres, Nerfertari.
O faraó partilha e dedica o seu templo ao Deus dos Deuses. O Deus do sol, da criação e do Nilo. O Deus egípcio Amon-Ra.
Ramsés II não perde a oportunidade de se auto deificar e de se comparar ao maior dos Deuses.

Representou-se a ele próprio em quatro estátuas lado a lado com mais de vinte metros de altura, enquadradas e escavadas numa fachada de pedra com mais quinze metros sobre as estátuas. Trinta cinco metros de ego.
Com o decorrer dos tempos e das areias, a cabeça e o torso da segunda estátua de Ramsés II caiu e ficou aos seus pés. Estar ao seu lado, já impressiona. É bem maior que nós.
A sensação da tremenda escala perante este templo, começa com a simples cabeça do faraó.

Os quatro rostos estão virados, impassíveis, mas observadores, para as fronteiras dos países inimigos na altura: os núbios, líbios e hititas. Queria intimidar com o seu poder. Glorificar a sua vitória na Batalha de Kadesh, onde lutou pelos territórios da Síria,
O conhecimento actual da história parece confirmar o contrário. Não ganhou, não perdeu. No fim do conflito tudo terá ficado como estava. Apenas um sangrento impasse, um empate. Como tantos outras indecisões finais, que a História repetiria noutros locais, com outras guerras, noutros tempos e com outros povos.







O templo de Nefertari é dedicado à Deusa Hathor. No antigo Egipto é uma das Deusas mais importantes e veneradas. É representada por uma mulher (inicialmente era por uma vaca) com cornos de vaca segurando entre si um disco solar.
A ela é associada a representação da fertilidade, maternidade, felicidade, da dança e da música.

Nele vemos seis estátuas. Dez metros de altura cada uma, onde naturalmente o faraó faz sentir a sua presença. Quatro são dele e duas dela. Cada Nefertari está ladeada por dois Ramsés.
Ao contrário do que era hábito na época, em que as mulheres eram representadas ao nível dos joelhos do faraós, aqui Nefertari tem a sua representação à mesma altura. Representativo da consideração e admiração que Ramsés II nutria por ela.







Há uma certa falsidade que atravessa estas estátuas. Uma nódoa discreta, na visão temporal destes dois templos. Estamos a vê-los em diferido, um playback temporal.
Senti-o perfeitamente. Um conflito de eras. Os milhares de anos versus as dezenas de anos. Abu Simbel é um cromo colocado fora do sítio da caderneta para onde ele estava pensado.
Os templos não estão no local original onde Ramsés II os erigiu.

No início da década de 1960 com a decisão do presidente egípcio, Gamal Nasser, construir a Grande Barragem de Assuão, sabia-se que os templos de Abu Simbel iriam ficar debaixo de água.
Entre 1964 e 1968 com o patrocínio da UNESCO, os dois templos foram retalhados em inúmeros blocos de duas a vinte toneladas. Com eles, os templos fora reconstruídos exactamente com a mesma orientação e posição relativa, cerca de sessenta e cinco metros acima do seu local original e quase cento e oitenta metros recuado relativamente às antigas margens do rio Nilo, no que é actualmente o lago Nasser. Nome dado em honra do presidente egípcio que ordenou a construção da grande barragem. e que deu origem a este lago artificial.

Até o local onde agora se encontra carece de verdade. É uma montanha feita de aço, pedra e rochas, construída de propósito para suportar o templo.
Cerca de três mil trabalhadores terão sido utilizados, e os gastos nesta operação terão sido da ordem dos quarente e dois milhões de dólares, tendo como referência os anos 60.
Para preservar a história e a cultura, o progresso pode ter um preço caro. Mas felizmente que decidiram pagá-lo.

Sabendo isto de antemão, e mesmo com atenção, não se consegue encontrar onde estes cortes, estas cicatrizes impostas pelo homem foram feitas. O playback do tempo está extraordinariamente bem feito.




Tudo o que é glorioso, tem também uma enorme aura de mistério.
A data de construção é incerta, algures entre 1274 a 1244 aC.
Mas quando a passagem do tempo é medida em milhares de anos uma imprecisão de trinta anos, verdadeiramente é acertar na mouche.
Também se desconhece o nome verdadeiro destes dois templos. Perderam-se ao longo dos milénios.
A atribuição do nome de Abu Simbel navega entre o prosaico e a lenda.

Em 1813, o suíço Johann Ludwig Burckhardt, foi conduzido aos restos de um templo por um miúdo local. Mais tarde tentou voltar ao mesmo sítio, mas sem o encontrar.
Terá mencionado esta situação a um colega seu italiano, Giovanni Belzoni. Curioso, também se deslocou ao local que Burckhardt mencionara.
E mais uma vez o mesmo miúdo, que conhecia o templo, através das deslocação das dunas de areia, o levou ao local, Belzoni escavou, escavou, e encontrou a entrada do grande templo e os exporia ao mundo os templos descobertos.
Os templos ganharam o nome do miúdo: Abu Simbel.
É o que se escreve...



Comentários

  1. Tão bom vir ao Egipto! Aqui posso recuar no tempo e aprender, aprender sempre.
    As fotos são belas e tentei imaginar-me como uma daquelas pessoas :)))

    É pena, na minha opinião, que os templos não estejam no local original. Mas muitas vezes o progresso sobrepõe-se à verdade histórica, não é? Reflexões, apenas...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário