Índia, Nova Deli - por favor para o Yes Please


Com que então estiveste na Índia. Divertiste-te?
Não.
Aborreceste-te?
Também não.
O que te aconteceu na Índia?
Fiz uma experiência.
Que experiência?
A experiência da Índia.
E em que consiste a experiência da Índia?
Consiste em fazer a experiência daquilo que a Índia é.
E o que é a Índia?
Como hei-de de dizer-te? A Índia é a Índia.
Mas suponhamos que eu não sei de todo o que é a Índia. Diz-me tu o que é.
Eu também não sei verdadeiramente o que é a Índia. Sinto-a, é tudo. Também tu deverias senti-la.

Alberto Moravia, Uma ideia da Índia


À saída do aeroporto Indira Ghandi em Nova Deli, chovia com alguma intensidade e os trovões faziam-se ver e ouvir.

Kumar é nome do taxista que me levaria ao hotel, o Yes Please. Um pequeno indiano de bigode preto e hirto, a condizer notavelmente com o seu cabelo e com a camisa que vestia.
Abriu os abraços num movimento amplo, quando entrei e exclamou:
- Great India!!!
- Mas não é Incredible Índia??? Essa é a frase de promoção do teu país.
- Não, não. Great é ainda maior que Incredible, explicou abrindo ainda mais os braços.
Seja.

Chovia dentro do carro. As gotas de água batiam em pleno nos meus joelhos. Duas manchas redondas iam aumentando de tamanho nas minhas calças. Para onde quer que os desviasse havia água a bater neles.
Na parte superior do vidro do carro estão duas tiras de autocolantes coladas com uma dezena de Deuses hindus em cada uma delas.
Reconheci alguns. Kumar, energicamente apontou o dedo para Hanuman, o poderoso Deus Macaco, reencarnação de Shiva.
- Muito poderoso contra o mau-olhado.

Pelas ruas enlameadas havia pessoas a dormirem no chão, enroladas sobre si da mesma maneira, indistintas da mercadoria que vendiam ou transportavam ao seu lado.
Dormiam em cima de cadeiras de plástico, dentro de riquexós, dos pequenos taxis, debaixo dos camiões, no chão das suas lojas. Poderia dar um pontapé numa trouxa amarrotada de roupa, que certamente acertaria num ser humano.

Kumar perdeu-se várias vezes. Parecia que tal o estava a incomodar. O seu bigode preto não parecia tão lustroso como quando me apanhou no aeroporto. No final, quando acertou e parou na rua do hotel, uma rua igual a inúmeras outras por já onde tinha passado, enlameada, escuras, cheias e afuniladas por táxis, camiões, tuk tuks, bicicletas e motoretas, Kumar despediu-se sem energia.
- Perdi-me muitas vezes, demorei muito tempo.
Parecia desonrado, que tinha falhado perante mim.
- Claro que não Kumar! Não tenho pressa. Já é tarde de qualquer maneira. As ruas são todas iguais, além que chove bastante. Qualquer outro não faria melhor que tu!!
Não foi o suficiente. Kumar foi embora mesmo desanimado.
Porquê? Porque não fez o que estava à espera que fizesse: olhinhos de cachorro triste a dizer que tinha gasto muito tempo e que o preço agora era outro. Nem sempre o algodão não engana.


A porta do Yes Please estava fechada por dentro com um arame a unir as maçanetas uma à outra.
Sete pessoas dormiam nos tapetes do chão e nos sofás do hall de entrada.
Foi necessário bater com determinação para fazer saltar dois deles ao mesmo tempo do chão.
Paresh ficou com os meus dados, disse-me qual era o quarto, deu-me a password do wifi e voltou para o chão. O outro verdadeiramente não chegou a levantar-se.

Estou no 205 do hotel Yes Please e consigo ouvir o ressonar do indiano no 206.





Comentários


  1. Que odisseia! E é só o começo...:)
    É tão bizarro tudo o que descreves para quem está no conforto da sua casa a milhares de quilómetros de distância...

    "Poderia dar um pontapé numa trouxa amarrotada de roupa, que certamente acertaria num ser humano."
    Arrepiante!

    Desejo-te mais sorte com os ressonanços seguintes....lol

    Continuação de boas férias.:)

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