Camboja, Siem Riep - praga?? nem tanto!



Ao contrário de Agra e Aguas Calientes que existem apenas porque o Taj Mahal e Machu Picchu também existem, Siem Riep tem personalidade própria, apesar de bastante bipolar. Calma e lânguida de dia, toda a gente está nos templos Angkor, à noite acelera rapidamente com o regresso, com a vontade de celebrar, de quem esteve num sítio que marca uma pessoa para a vida.

Vejo-me a viajar para esta cidade sem ter que a usar como base avançada para a cidade de Angkor.
É profundamente turística, não se pode esperar o contrário, por força de ser a porta de entrada por excelência para os templos khmer de Angkor, mas a sua personalidade e identidade cambojana, não ajoelhou perante. E mesmo a sua oferta ocidentalizada tem um travo exótico, um travo local.



Tenho a clara sensação de voltar a casa.
Encontro os dois mercados nocturnos: o Angkor Night Market e o Siem Riep Night Market. O mercado central mantém-se labiríntico, escuro, cheio de vida, confuso e abundante nas pessoas e nos aromas, como deve ser em todos os mercados asiáticos.
A cidade continua com as estradas mal tratadas, excepto aquelas que a ligam a Angkor. Os tuk tuks de motores a dois tempos e as motinhas com os seus zumbidos e de soberanas buzinas a fazerem-se ouvir num ruído surdo e permanente, estão presentes em todas a horas do dia.
Algumas lojas dão para as ruas, completamente expostas aos olhares.

A Pub Street, com as perpendiculares Lane Street e a Passage, dominam e monopolizam a noite. São agitadas, festivas e coloridas. Restaurantes e bares estão dos dois lados da rua, lado a lado, porta a porta. Por vezes tão estreitas que os toldos dos mesmos, em lados opostos da rua, fazem uma cobertura de cores tão duvidosas como atraentes. Tanto são uma obstrução aos céus escuros, como uma cobertura para as chuvas tropicais de fim de tarde.
Nestas ruas circula-se como carreiros de formigas nos dois sentidos, de lado e ziguezagueando entre locais e turistas.
Celebrava-se o Halloween. Especialmente entre os locais. A quantidade de pessoas na rua era anormalmente grande. Os zombies, vampiros, estropiados, facadas e machadadas, olhos vazados, feridas purulentas e sangue abundavam nas ruas. Levava-se a sério esta data.
As happy hours estão em todo lado com os cartazes apoiados no chão, ou pendurados nas colunas, ou nos balcões dos bares, a gritarem uma bebida por metade do preço, ou melhor ainda, duas pelo preço de uma. As “horas felizes” tornam ainda mais barato o que é já barato. Por aqui o álcool é quase dado.


Encontrei a mesma lojinha que vende pinos, galhardetes, de todo o lado do mundo e que aproveitei para comprar alguns de países por onde passei mas que não tinha encontrado neles. O senhor é ainda o mesmo: volumoso, simpático, voz rouca, barba grisalha, bigode amarelo do tabaco e cabelo desalinhado. Dá para negociar, mas não facilmente. E pela segunda vez esqueci-me de perguntar o seu nome.
Os jovens à porta de tronco nu e os sofás escuros do Linga Bar, um bar gay discreto, mas sem esconder a sua natureza, mantinham-se inalteráveis.
Voltei a encontrar os anúncios a massagens feitas por cegos e os peixitos em aquários de vidro transparente manchados por verdete mal limpo, iluminados a cores esverdeadas, com água de aspecto imundo, a trincarem os pés para comerem pele morta e dar umas dentadinhas nos calos e joanetes a quem lá se atrever a metê-los lá dentro. Incomodam-me fortemente esses aquários. Sobretudo pelos peixes que não deviam lá estar. Tristemente, passam fome por isso dão as dentadinhas nos pés para poderem comer, mas também pela proliferação de fungos e bactérias que por lá andam à espera que novos pés apareçam, tal como um condomínio de dez novos apartamentos, para lá se instalarem confortavelmente e irremediavelmente.


Fora do centro, a cidade é mais pacata e monótona.
Estão aqui os principais hotéis, há novos e maiores a serem construídos, os estéreis centros comerciais, as grandes e caras galerias de arte e de fotografia. Nestes lados, nas franjas do centro pulsante de Siem Riep, seis anos depois, as ruas tornaram-se mais desinteressantes, mais incaracterísticas e descoloridas.
Se nos afastarmos umas dezenas de quilómetros da influência "Angkoriana" de Siem Riep entramos no reino rural. A vivência cambojana é mais genuína e o tiquetaque do relógio é mais lento. Aldeias, escolas, mercados locais, arrozais, e poeirentas estradas de terra batida são mais pisadas por bicicletas e animais do que por tuks e motinhas.


Passados estes anos gostei de voltar a encontrar Siem Riep. Mantém-se jovial, viva e divertida.
Soube manter, tanto mais difícil quanto mais os anos passam, um equilíbrio sábio e delicado entre a cultura cambojana e os apetecíveis e deliciosos dólares ocidentais que os turistas carregam nos seus bolsos. É o dólar quem mais ordena nas ruas.
Seria impensável pensar que uma cidade que se situa a poucos quilómetros dos templos de Angkor se mantivesse verdadeiramente genuína, intocável no seu modo de vida tradicional.
A massificação turística que eles lhe trazem e as seus arredores, ocidentaliza indelevelmente o ambiente local.
Mas que no que diz respeito a Siem Riep, está longe de ser uma praga.



Comentários

  1. Gostei de ter saído por uns momentos de Guimarães e ter ido viajar até ao Camboja.:)

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