Dana, Jordânia - um tesouro sem o X a marcá-lo


Rolando pela Kings Way, se sairmos em Tafileh em direcção a Qadiyya, espectacularmente situada entre dois dos castelos mais relevantes de históricos do período das cruzadas, a norte, Karak e a sul, Shoubak, está uma muito pequena aldeia de pedra do século XV, chamada Dana.

Dana está incrustada nas encostas de Wadi Dana, um imponente vale em forma de V.
É daqueles locais incríveis, com mais cabras e ovelhas que habitantes, em que tudo pára.
Pára o tempo, param as preocupações mundanas, param os problemas. Aqui tudo é serenidade, placidez e suavidade. Não há indústria, não há carros, correrias ou pressas.
A aldeia é um tesouro em que um X não marca o lugar. Por estar rodeada de locais fortemente históricos, Karak, Shoubak e pela mítica Petra, Dana tem uma procura turística muito baixa.
Felizmente para ela e para quem vem até cá.


Sentado, em frente à entrada da mesquita da aldeia, um senhor dormitava vestindo uma túnica branca imaculada com o tradicional keffyeh vermelho. Acordou com o restolhar dos pneus do carro na gravilha da estrada quando este parou em frente a ela. Quando saí fora do carro para fotografar a fachada, este senhor desapareceu em segundos não me dando qualquer hipótese de o cumprimentar.



Dana tem uma população mesmo muito baixa. Uma dúzia de habitantes. Uma espécie de aldeia de xisto na variante jordana. Só recentemente as infraestruturas básicas começaram a ser construídas ou a serem recuperadas. Séculos de história e décadas de abandono quase fizeram a aldeia desaparecer. O ecoturismo é a grande aposta. Dana está integrada na reserva natural com o mesmo nome, criada e gerida pela Royal Society for the Conservation of Nature (RSCN). O seu objectivo é fixar alguns residentes para que esta volte a constar dos mapas.

A aposta, que claramente está a ser ganha, é, através da protecção da natureza e das paisagens da reserva, atrair turismo sustentável e de baixo impacto ambiental. Parte das suas ruínas serão recuperadas para habitação própria e alojamento.
A própria RSCN gere um alojamento - Dana Guesthouse - que representa bem o conceito que está por trás do seu objectivo: quase espartano, muito funcional, operado por pessoas locais e com uma  invejável vista para o vale. Foi aqui, que o senhor sentado à porta da mesquita se tinha escondido da minha câmara. Quando me reconheceu, o seu olhar desconfiado procurou-a de imediato. Havia poucos hóspedes e cá fora, no átrio, uma senhora cozinhava aquilo que seria o meu almoço, num conceito de diária, mas com uma versão vegetariana.

Alguns dos melhores trekkings da Jordânia nascem aqui. O maior é o que une Dana a Petra. Os quarenta e cinco quilómetros que os separam podem ser feitos entre 3 a 5 dias e obriga a contratação de um guia. Fico a sonhar com este trilho... "Talvez um dia."

Tinha chegado no fim da manhã. Não pretendendo fazer um longo trekking, tinha o desejo óbvio de sentir o vale debaixo dos meus pés. Um dos trilhos começa por trás da mesquita. Por ele corre um canal de água cimentado, que mais à frente desaparecia, prosseguindo depois por canais naturais abertos na terra, por onde pequeno rebanho de cabras saltita por cima e algumas aproveitam para beber. É um caminho simples, bem aberto, rodeado de arbustos e vedações naturais, passando ao lado de pequenas parcelas de terreno, desembocando numa área mais aberta onde dois burros pastam debaixo de uma oliveira.





Outro, bem diferente, começa na encosta. Irregular e mais exigente. Serpenteia de uma forma labiríntica pelo vale abaixo. É profundamente cénico e bucólico. Toda a aldeia o é.
Passa-se por algumas ruínas. Próximo destas, um grupo de pastores descansa debaixo de uma árvore. A aldeia cor de arenito destaca-se no verde da paisagem. Os rebanhos de ovelhas e cabras sucedem-se. Continuo a descer. Olho para o vale, olhos no olhos. Ele impõe respeito.
A hora tardia a que tinha começado a caminhar exigia agora alguma precaução. O caminho não é evidente e havia que perceber por onde ir. A luz e a temperatura estão a baixar rapidamente e uma ligeira neblina começa a instalar-se no vale. Algumas dezenas de metros mais abaixo, outro grupo de quatro pastores. Os animais estão próximo deles. Talvez se sintam protegidos na companhia dos humanos. Os pastores preparam-se para acender uma fogueira. Uns apanham galhos e pequenos troncos e dois empilham-nos de maneira a formar um cone. Parece-me que vão passar a noite na montanha. A ideia era ir até lá e estar com eles, mas continuar a descer seria imprudente.





Os pores-do-sol em Wadi Dana são épicos. No topo da encosta, eco-hotéis estão em construção. A luz de fim de tarde banha-os numa cortina de cor quente. O arenito amarelado fica realçado por ela. À minha frente, a neblina do vale e as nuvens filtram e suavizam a luz. Mas onde as nuvens negras e densas permitem, a luz jorra imparavelmente. Balanceados com os verdes da parte superior do vale, os contrastes de luz e sombras tornam-se dramáticos. O resultado final é espectral e etéreo.

No dia seguinte, dificilmente poderia ser mais oposto: o sol tem uma descida lenta e flamejante.
Tudo à sua volta fica uniformemente, como uma película fina de plástico que se cola aos alimentos, impregnado de laranjas e vermelhos incendiários. O vale fica tingido por esta luz irreal que lhe mascara e altera as cores, esbatendo-lhe os contornos num sfumato da vinciano.
Como num filme que nos cativa e fascina e que nos mantém sentados até sermos os últimos na sala, mantenho-me a assistir aos créditos finais deste pôr-do-sol, até que um imaginário "fim" aparece no céu já escuro.








Comentários

  1. Adorei o artigo, as fotos,o roteiro, a paisagem e o conteúdo, mais um local adicionado a minha lista para viajar. Obrigado.

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    1. Obrigado eu :))
      É uma daquelas situações que surge um dilema: ou se divulga e arriscamos a estragar o paraíso ou se guarda segredo e se protege um local, ou se impede que uma população, um povoado, veja as suas condições de vida melhoradas?

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