Shiraz, Irão - Naqsh-e-Rostam, quatro túmulos e uma reflexão

Artaxerxes I e Dário I

A comparação com o templo de Abu Simbel, no Egipto, ocorreu-me de imediato.
Não pelas dimensões ou pela monumentalidade da obra, porque perde para Abu Simbel, mas pela forma como ela se apresenta perante nós. Como se um gigante tivesse sacado de um imenso carimbo e o tivesse pressionado contra a rocha e ela tivesse adquirido a forma deste.
A visão da necrópole de Naqsh-e Rostam impressiona. E impressiona ainda antes de estarmos frente a frente com ela. No curto trajecto que me levou de Persepolis à necrópole Naqsh-e Rostam, os baixos relevos já eram visíveis da estrada.

São quatro imponentes e majestosos túmulos de quatro reis aqueménidas em forma de cruz, por isso também conhecidos como as "cruzes persas", escavados na rocha com cerca de vinte metros de altura, dezoito de largura e mais de uma dezena de metros desde o chão até à sua base. Cerca de dois mil e quinhentos anos já passaram desde que foram talhados na rocha.


O dia está brilhante e o sol forte. As sombras projectadas por ele são pequenas. Olho com dificuldade, tenho que semicerrar os olhos, para a enorme tela que se abre perante eles. Estou em frente à fachada principal da colina que depois se prolonga para o meu lado direito. Quatro túmulos fitam-me de uma forma altiva. São uma sucessão dinástica representando quatro reis e cento e quarenta anos de reinados e de história da Pérsia.
Pai, filho, neto e bisneto - Dário I, Xerxes I, Artaxerxes I e Dário II - têm os seus túmulos talhados sob a forma de baixos relevos na imponente face rochosa.

Como em tudo por onde o tempo corra em catadupas, as incertezas são maiores que o seu oposto. Naqsh-e-Rostam não é excepção.
Acredita-se que o primeiro túmulo do lado esquerdo da parede seja o de Rei Dário II, seguido por Artaxerxes I. À direita deste, o terceiro, encontra-se o túmulo de Dário I.
Este é o único túmulo que se sabe a quem pertence pelas inscrições explicitas que nele existem. Dário foi o fundador da cidade de Persepolis, a antiga capital persa localizada a menos de uma dezena de quilómetros de Naqsh-e-Rostam. A sua derrota na batalha naval de Atica, ao largo da cidade grega de Maratona, em 490 aC, foi absolutamente determinante não só para a futura história da Pérsia e da Grécia, mas também para a história do mundo actual. A democracia, acabada de nascer na Grécia, vai poder crescer e espalhar-se globalmente.
O último túmulo, o que está mais à direita, será muito provavelmente o de Xerxes I. O rei que esteve envolvido nas famosas batalhas das Termópilas e Salamina que ocorreram dez anos depois da derrota do seu pai, Dário I, em Maratona.
Quem viu 300 no cinema e mais tarde, 300: Início de um Império, ficou a conhecer a relação destes dois reis entre si, com os seus opositores, Leónidas e Temístocles, e as respectivas batalhas em que participaram.

Dário I e Xerxes I

Xerxes I

De novo a incerteza desce sobre Naqsh-e-Rostam. Não se tem a certeza se os corpos dos quatro reis foram colocados nos respectivos túmulos, ou se, como a tradição fúnebre Zoroastra impõe, os seus corpos foram colocados em Torres do Silêncio para que estes fossem comidos por abutres.
A crença zoroastra diz que o corpo é impuro e, como tal, não pode ser enterrado, cremado ou atirado à água porque este iria contaminar os quatro elementos sagrados para os zoroastras: terra, ar, fogo e água. A solução passa por construir enormes torres abertas em zonas distantes das áreas urbanas e deixar que os abutres, aves sagradas e, portanto, não passíveis de serem contaminadas e de se tornarem impuras, os comessem, fazendo-se a transição para o sagrado por seu intermédio.
A probabilidade de terem sido as suas ossadas, e não os seus corpos, a serem colocados nos túmulos é muito grande.

Afasto-me da parede rochosa uns largos metros para poder ter um olhar panorâmico sobre os quatro túmulos e revejo mentalmente os seus nomes: Dário II, Artaxerxes I, Dário I e Xerxes I.
Quatro nomes imortalizados pela história e, pela vontade dos mesmos, também pela rocha. Mas é o tempo que passou por estes túmulos que mais me espanta. As grandes escalas de tempo sempre me fascinaram e surpreenderam.
Admiro, reverencio tudo aquilo pelo qual o tempo passou e voltou a passar. As pirâmides de Giza, a cidade de Petra, Stonehenge ou os túmulos destes quatro reis, em todos eles vários milénios acumularam-se. Milhares de anos depois, estou a admira-los quase embevecido, certamente espantado.

Dário II, Artaxerxes I e Dário I

Artaxerxes I

Dário I e Xerxes I


Que deixaremos nós, que vivemos no século XXI, uma sociedade intangível do digital, mas também profundamente física pela utilização extensiva do aço, do cimento e dos materiais compósitos? Que teremos nós erguido, construído, que dure milénios? Algo que dure centenas de anos? Acredito que sim. Mas milhares de anos? Nada. Tornamo-nos economicistas e racionais. A eternidade exige tempo. E loucura.
Não temos tempo porque vivemos demasiado depressa e a única loucura em que estamos empenhados, é destruir o planeta e os seus recursos, ao ponto de colocar a nossa própria sobrevivência em causa.
Nunca fomos tantos à face do planeta e tão eficaz e obstinadamente destrutivos relativamente a ele como no momento que presentemente vivemos.
Não consigo imaginar o que poderemos fazer que dure milénios porque projectando o futuro deixo de ver, em poucos séculos, seres humanos a caminhar sobre ele.





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