série "Entre-Sóis" II - Ha Long Bay, Vietname

Vietname, Maio 2012


Várias horas antes tinha assistido ao pôr-do-sol numa canoa partilhada com uma australiana. Tinha sido um espectáculo e tanto vê-lo a meia dúzia de centímetros da água e a pagaiar por entre as ilhas de calcário que polvilham a baía. As suas cores reflectiam-se na superfície das águas, na fibra de vidro da canoa e nas gotas de água que se soltavam da ponta da pagaia cada vez que esta saía da água. Ainda antes de o sol desaparecer atrás de uma dessas inúmeras lágrimas calcárias, haveria de mergulhar nas águas que se tornavam gradualmente mais escuras. Ao nadar para o barco para subir as escadas que lhe dão acesso uma alforreca toca-me na cara do lado esquerdo. De imediato fico com a sensação de queimaduras no rosto e que este ficou inchado.


Acordo bem cedo, antes das cinco da manhã. O meu lado esquerdo da cara incomoda-me e parece-me estar ainda inchada.
Deixo a cabine silenciosamente e subo ao deck do barco. O barco move-se quase imperceptivelmente debaixo dos meus pés.
A noite impera e um profundo silêncio derrama-se sobre a Baía Ha Long. Há estrelas no céu e apenas uma mancha de luz longínqua, tão discreta e ainda tão ausente diz-me que deverá ser ali que o sol vai nascer. A lado do meu barco, dois outros maiores repousam. Ambos estão vazios. Ninguém parece estar interessado em assistir ao nascer do sol.

Dois pequenos barcos a motor de pescadores rompem até aí as imperturbadas águas da baia e do silêncio da aurora que vai agora surgindo. Ken, um galês de meia idade que já tinha cruzado o continente africano num 4X4 na década de 80, aparece no deck também.
Vejo as cores a passarem por mim. Inicialmente, de uma forma lenta e gradual para depois ganharem velocidade como dois amantes que, lentamente, se acariciam e depois se entusiasmam ao se aproximarem do momento final.
Sem pressa, o azul frio da noite ainda estrelada dá lugar aos sedutores púrpuras para depois acelerar para opulentos amarelos e flamejantes laranjas.
As formações rochosas projectam, sob as quase impassíveis águas da baía, longas sombras escuras que contrastam fortemente com a luminosidade já pouco tímida do dia que tinha acabado de nascer.

Ken desce as escadas que levam às cabines. Fico ainda mais alguns minutos e depois também eu desço. Tomo um banho e subo de novo para o deck. Um membro da tripulação já estava a pé e começava a lavar o chão com uma esfregona. Ofereço-lhe umas bolachas que eu tinha trazido comigo. Sento-me numa cadeira e assisto ao acordar dos barcos ao meu lado e do meu.

Penso no pôr-do-sol na canoa e no nascer do sol no deck e voto a favor deste último.






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