Assuão, Egipto - dez anos, algumas histórias

Dezembro 2010


Manuel José!! Manuel José!!

Sinceramente, penso que o escaravelho da bosta, entre outros, é dos bichinhos mais românticos que existem à face da terra. 
O escaravelho, com terra, excrementos e a sua saliva, constrói diligentemente uma bola, uma esfera, que faz rolar com as suas patas traseiras.
Quando encontra uma fêmea, se esta gostar da sua bola, aceita reproduzir com ele e a próxima geração de escaravelhos alimenta-se daquela bola que o macho andou a fazer e a rolar durante dias a fio. Se a fêmea não gostar, todo o seu esforço foi em vão.
Os pássaros tecelões passam pelo mesmo excepto que constroem um ninho e têm que convencer a fêmea a lá entrar e ficar.

Para os egípcios, era o poder de gerar vida, de rolar a bola de um lado para o outro que tornava o escaravelho sagrado.
É um escaravelho que todos os dias rola o sol para debaixo do horizonte e o esconde, mas também é este que o faz rolar para fora do horizonte, fazendo nascer um novo dia.

Forçosamente tinha que levar um para casa e nos souks de Assuão encontrei o que queria.
No Egipto, como em qualquer país do norte de África, negociar é imperativo sob risco de se comprar algo que vai custar três, quatro, cinco vezes mais que o preço justo, qualquer que este seja.
A negociação começou e prolongou-se durante alguns minutos, passado algum tempo digo que não vou mais abaixo do que o meu preço:
- Ou levo ou não levo. Amanhã parto para o Cairo e não tenciono trocar mais dinheiro até chegar a Portugal.
Na verdade ia mais para sul. Para Siwa, Bawiti e para os desertos.

O egípcio percebendo a minha determinação naquele preço, chama alguém e explica o que se passa e menciona claramente o nome Portugal.
Esse alguém pergunta-me em jeito de confirmação, para ter a certeza sobre a explicação que ouviu:
- De onde vens?
- Portugal
De braços no ar e depois a abraçar-me, esse alguém grita:
- Portugal!! Portugal!! Manuel José!! Manuel José!!
- Sim. É um treinador português que está a treinar aqui no Egipto há alguns anos.
A minha cultura futebolística é baixíssima mas ainda deu para saber isto.
Fui cumprimentado por outros lojistas que juntaram à aquela festa e levei várias pancadinhas nas costas.

Esse tal alguém falou rapidamente com quem eu estava a negociar e voltando-se para mim, de novo cumprimentou-me efusivamente e disse:
- És do país do Manuel José, o escaravelho é teu. Oferecemos-te.

O Egipto tem uma paixão, um respeito enorme por Manuel José.
E é consensual em todo o futebol egípcio, não apenas pelos adeptos dos clubes que treinou.
Uma longa negociação que teria um fim favorável aos egípcios porque eu estava mesmo interessado no escaravelho, acabou reverencialmente depositado na minha mão.

Incrível, o poder do futebol.



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