Praça Jemaa El Fna. Marraquexe não seria Marraquexe se não tivesse esta praça.
De formato triangular, vedada ao trânsito automóvel, próxima da mesquita Koutoubia, rodeada por restaurantes e entradas nos souks, ela é tão velha quanto a cidade que a alberga. Fundada na segunda metade do século XI, entre os anos 1060 e 1070, o seu nome significa "Assembleia dos Mortos", por ser aqui que as sentenças de morte eram executadas.
Numa cidade frenética, vibrante e cheia de estímulos, esta praça ao entardecer consegue ultrapassá-la em actividade.
A cidade, e principalmente quem a visita, vem desaguar aqui. Tal como os souks, não a visitar é falhar completamente a cidade. E no entanto está longe de ser um lugar agradável ou acolhedor. Bem pelo contrário. Se os souks são o que de melhor esta cidade imperial tem, a Praça Jemaa El Fna representa o seu pior lado. O lado negro da Força.
No centro da medina, imersa numa permanente música sem nexo e estridente, a praça Jemaa El Fna é agressiva e antipática onde o assédio aos bolsos dos turistas é um desporto praticado com excelência. O simples facto de ter uma câmara na mão ou pendurada ao pescoço é uma oportunidade para alguém nos pedir dinheiro e dar azo a uma acesa e desagradável discussão. Por isso, nos dias em que por aqui andei e fruto de experiências anteriores, optei por não a trazer comigo.
Os animais abundam nela e sem excepção são maltratados. São meros objectos. Falta-lhes carinho e protecção. Cavalos nervosos pelo trânsito desenfreado de Marraquexe são forçados a passear turistas em charretes. Cobras incomodadas de tanto serem manipuladas por turistas e pelos ditos encantadores das mesmas, macacos acorrentados e de fraldas, araras e pavões apáticos, tartarugas que vivem em água fétida, falcões e corujas de penas e asas cortadas e camaleões de ar doentio. Invariavelmente todos estão assustados, invariavelmente estão desconfortáveis e com medo.
A troco de várias dezenas de dirames pode-se segurar ou tocar num. Pagar é continuar, ajudar a perpetuar uma vida miserável e de sofrimento. As deles e as dos que virão a seguir eles.
Tocar num destes animais sem pagar é motivo para uma discussão desagradável, persistente e agressiva. Algo definitivamente a não fazer.
E se alguém, pelas nossas costas, colocar um animal em nós, um macaco ou uma serpente, a única forma de escapar ao assédio é rapidamente tirá-lo de cima de nós e não ceder ao pagamento. E na discussão que se seguirá, se necessário é berrar sem hesitar porque, ou chega a policia e resolve o assunto a nosso favor, eles sabem como o esquema funciona, ou porque mostramos a nossa determinação na recusa do pagamento.
Se uma fotografia a alguém exige necessariamente, para além do natural consentimento, um preço combinado, preferencialmente antes, uma fotografia casual, despreocupada pode ser um problema sério. Poder-se-á pensar que num local cheio de gente, como a praça Jemaa El Fnaa, se passe despercebido, mas se remotamente alguém pensar que lhe foi tirada uma fotografia, acaba-se quase inevitavelmente numa discussão agressiva, e mais uma vez despropositada, para obter um pagamento.
Isto vale para qualquer outra pessoa que se exiba na praça: vendedores, músicos, dançarinos, aguadeiros, encantadores de serpentes, pinturas de hena, videntes e adivinhos.
Há uma excepção e simultaneamente um clássico, que aqui existe. É um toque agradável, uma nota positiva feita a cor de laranja, aromática, com paladares adocicados e macios e em doses generosas: os sumos de laranja. Apregoados como sendo uns dos melhores do mundo, e se não o forem são seguramente dos mais baratos do mundo: um copo bem cheio são 4 dirames, aproximadamente quarenta cêntimos, e se beberem dois ou três com um pouco de sorte oferecem um.
Se o sumo for feito à nossa frente, garantidamente será genuíno, mas... em Marrocos há sempre um mas... se este estiver dentro de um jarro de plástico de sumo já feito, a probabilidade de ter uma dose generosa de água não é de todo desprezável. Bem pelo contrário. Os almoços grátis não existem, diz o povo. Mas ter alguém que não nos assedia, não nos tenta sacar algumas dezenas de dirames, e ainda podemos rir um pouco com eles, é mesmo altamente.
Apesar de estar apenas cerca de meia-hora nela, saio da praça cansado e exausto. Ela drena-me toda a minha energia vital. Não há boas vibrações, não é um espaço boa onda ou positivo. Há dezasseis anos, quando estive em Marrocos, para pela segunda vez para voltar às montanhas e agulhas do Alto Atlas, senti também esta mesma sensação. Depois da pureza, da espiritualidade que só as montanhas são capazes de proporcionar, estar nesta praça é pura poluição. É um local negativo, sem ética, sem autenticidade, desagradavelmente caótico, sujo e pouco convidativo. Uma poça de água inquinada.
Conhecer locais, travar uma conversa agradável, obter uma boa história ou conhecer um rosto simpático é para esquecer. A Praça existe para assediar a quem a visita. Todos os intervenientes, excepção feita aos vendedores de sumo de laranja que têm que se esforçar para cativar e convencer os clientes a escolher as suas bancas e não uma das várias que estão ao seu lado, nenhum tem um brilho ou intensidade nos olhos, os lábios parecem não saber sorrir e as palavras são sempre secas e curtas. Demonstram isso através da única forma que conhecem de interacção com o visitante: obter dirames na maior quantidade possível. E fazem-no com uma ausência quase total de simpatia.
Dezasseis anos volvidos sobre a minha última visita a Marraquexe, nada mudou. Há zero de evolução. Tudo está igual: as infra-estruturas não foram melhoradas, ausência de modernidade, a mesma filosofia de vida e decrepitude. Até os esquemas para sacar dinheiro são os mesmos.
Apenas os souks conseguem manter o seu encanto.
De formato triangular, vedada ao trânsito automóvel, próxima da mesquita Koutoubia, rodeada por restaurantes e entradas nos souks, ela é tão velha quanto a cidade que a alberga. Fundada na segunda metade do século XI, entre os anos 1060 e 1070, o seu nome significa "Assembleia dos Mortos", por ser aqui que as sentenças de morte eram executadas.
Numa cidade frenética, vibrante e cheia de estímulos, esta praça ao entardecer consegue ultrapassá-la em actividade.
A cidade, e principalmente quem a visita, vem desaguar aqui. Tal como os souks, não a visitar é falhar completamente a cidade. E no entanto está longe de ser um lugar agradável ou acolhedor. Bem pelo contrário. Se os souks são o que de melhor esta cidade imperial tem, a Praça Jemaa El Fna representa o seu pior lado. O lado negro da Força.
No centro da medina, imersa numa permanente música sem nexo e estridente, a praça Jemaa El Fna é agressiva e antipática onde o assédio aos bolsos dos turistas é um desporto praticado com excelência. O simples facto de ter uma câmara na mão ou pendurada ao pescoço é uma oportunidade para alguém nos pedir dinheiro e dar azo a uma acesa e desagradável discussão. Por isso, nos dias em que por aqui andei e fruto de experiências anteriores, optei por não a trazer comigo.
Os animais abundam nela e sem excepção são maltratados. São meros objectos. Falta-lhes carinho e protecção. Cavalos nervosos pelo trânsito desenfreado de Marraquexe são forçados a passear turistas em charretes. Cobras incomodadas de tanto serem manipuladas por turistas e pelos ditos encantadores das mesmas, macacos acorrentados e de fraldas, araras e pavões apáticos, tartarugas que vivem em água fétida, falcões e corujas de penas e asas cortadas e camaleões de ar doentio. Invariavelmente todos estão assustados, invariavelmente estão desconfortáveis e com medo.
A troco de várias dezenas de dirames pode-se segurar ou tocar num. Pagar é continuar, ajudar a perpetuar uma vida miserável e de sofrimento. As deles e as dos que virão a seguir eles.
Tocar num destes animais sem pagar é motivo para uma discussão desagradável, persistente e agressiva. Algo definitivamente a não fazer.
E se alguém, pelas nossas costas, colocar um animal em nós, um macaco ou uma serpente, a única forma de escapar ao assédio é rapidamente tirá-lo de cima de nós e não ceder ao pagamento. E na discussão que se seguirá, se necessário é berrar sem hesitar porque, ou chega a policia e resolve o assunto a nosso favor, eles sabem como o esquema funciona, ou porque mostramos a nossa determinação na recusa do pagamento.
Se uma fotografia a alguém exige necessariamente, para além do natural consentimento, um preço combinado, preferencialmente antes, uma fotografia casual, despreocupada pode ser um problema sério. Poder-se-á pensar que num local cheio de gente, como a praça Jemaa El Fnaa, se passe despercebido, mas se remotamente alguém pensar que lhe foi tirada uma fotografia, acaba-se quase inevitavelmente numa discussão agressiva, e mais uma vez despropositada, para obter um pagamento.
Isto vale para qualquer outra pessoa que se exiba na praça: vendedores, músicos, dançarinos, aguadeiros, encantadores de serpentes, pinturas de hena, videntes e adivinhos.
Há uma excepção e simultaneamente um clássico, que aqui existe. É um toque agradável, uma nota positiva feita a cor de laranja, aromática, com paladares adocicados e macios e em doses generosas: os sumos de laranja. Apregoados como sendo uns dos melhores do mundo, e se não o forem são seguramente dos mais baratos do mundo: um copo bem cheio são 4 dirames, aproximadamente quarenta cêntimos, e se beberem dois ou três com um pouco de sorte oferecem um.
Se o sumo for feito à nossa frente, garantidamente será genuíno, mas... em Marrocos há sempre um mas... se este estiver dentro de um jarro de plástico de sumo já feito, a probabilidade de ter uma dose generosa de água não é de todo desprezável. Bem pelo contrário. Os almoços grátis não existem, diz o povo. Mas ter alguém que não nos assedia, não nos tenta sacar algumas dezenas de dirames, e ainda podemos rir um pouco com eles, é mesmo altamente.
Apesar de estar apenas cerca de meia-hora nela, saio da praça cansado e exausto. Ela drena-me toda a minha energia vital. Não há boas vibrações, não é um espaço boa onda ou positivo. Há dezasseis anos, quando estive em Marrocos, para pela segunda vez para voltar às montanhas e agulhas do Alto Atlas, senti também esta mesma sensação. Depois da pureza, da espiritualidade que só as montanhas são capazes de proporcionar, estar nesta praça é pura poluição. É um local negativo, sem ética, sem autenticidade, desagradavelmente caótico, sujo e pouco convidativo. Uma poça de água inquinada.
Conhecer locais, travar uma conversa agradável, obter uma boa história ou conhecer um rosto simpático é para esquecer. A Praça existe para assediar a quem a visita. Todos os intervenientes, excepção feita aos vendedores de sumo de laranja que têm que se esforçar para cativar e convencer os clientes a escolher as suas bancas e não uma das várias que estão ao seu lado, nenhum tem um brilho ou intensidade nos olhos, os lábios parecem não saber sorrir e as palavras são sempre secas e curtas. Demonstram isso através da única forma que conhecem de interacção com o visitante: obter dirames na maior quantidade possível. E fazem-no com uma ausência quase total de simpatia.
Dezasseis anos volvidos sobre a minha última visita a Marraquexe, nada mudou. Há zero de evolução. Tudo está igual: as infra-estruturas não foram melhoradas, ausência de modernidade, a mesma filosofia de vida e decrepitude. Até os esquemas para sacar dinheiro são os mesmos.
Apenas os souks conseguem manter o seu encanto.
Que duro retrato...mas verídico. Felizmente existem, ao virar a esquina, lugares genuinamente marroquinos em que as conversas fluem com sorrisos rasgados.😊
ResponderEliminarSim, felizmente há esse contraponto :).
EliminarIsso torna Marrocos mais "apetecível" para uma viagem