Arménia - O genocídio arménio às mãos turcas e outros em curso

É a Raphael Lemkin, um jurista polaco, que devemos a palavra Genocídio. Resulta da junção das palavra grega "geno" que significa raça ou tribo com a palavra latina "cide" que significa matar. É mencionada pela primeira vez em 1945, a propósito dos julgamentos nazis de Nuremberga. Em Dezembro de 1948, a ONU atribui-lhe o estatuto de crime internacional.
No artigo 2, da Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio, de 9 de Dezembro de 1948, as Nações Unidas definem claramente o conceito de genocídio: 

"Na presente Convenção, entende-se por genocídio os actos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:
  • a) Assassinato de membros do grupo;
  • b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
  • c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
  • d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
  • e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo."

Depois do Ruanda e do Camboja, a Arménia é o terceiro país onde, em cuja história, me cruzo de forma muito directa com este tristíssimo conceito e palavra.


Podemos remontar o germinar do genocídio arménio ao século XIX e não exactamente ao ano de 1915.
A Arménia, nesta altura, não era um país, mas sim uma região cujos territórios estavam incorporados num outro maior, o império otomano de religião muçulmana. Estima-se uma população de arménios que rondaria os dois milhões e meio de pessoas.
Em finais do século XIX, os otomanos entram em crise e com eles os arménios. Com o piorar das condições de vida, o povo arménio, de origem cristã, faz um conjunto de reivindicações visando a melhoria dessas condições. Para eliminar qualquer possibilidade de revolução e de uma pretensa autonomia, o líder otomano, o sultão Abdul Hamid II, resolve tomar o assunto entre mãos, e entre os anos 1894 e 1896, cerca de duzentos mil arménios são massacrados.
Com a continuada perda de influencia otomana, e incapacidade do sultão de lidar com a crise, surge em 1908, um novo partido que ganha o poder: o Jovens Turcos. Infelizmente, para os arménios nada se altera, não só os assassinatos continuam como alguns anos mais tarde tudo se iria complicar seriamente.

É em 1913, quando a ala mais conservadora e radical dos Jovens Turcos forma governo, que tudo se precipitaria para a população arménia. Três dirigentes tornam-se o coração deste governo: o ministro da guerra, Ismail Enver, o ministro do interior, Mehmet Talat e o ministro da marinha, Ahmed Djemal. Com eles, surge o conceito do estado pan-turco. Ou seja, unir sobre um único estado, o turco, todos os territórios otomanos. Sendo cristãos e tendo a independência em mente, os arménios, mas não só estes, continuavam a ser o grande problema.
A coberto da Primeira Guerra Mundial, e que depois se prolongaria para além dela, os turcos dão início a aquele que é considerado o primeiro genocídio moderno e que inspiraria Raphael Lemkin a cunhar a sua palavra, o genocídio arménio de 1915.
Tudo começou a 24 de Abril desse mesmo ano com a prisão de duzentos e cinquenta políticos e intelectuais arménios em Istambul. Pouco tempo depois todos eles seriam assassinados. Estava em marcha o primeiro genocídio do século XX.

Pesquiso as formas pelas quais os arménios foram chacinados. É uma pesquisa dura e de antemão sei o que vou encontrar. Prevejo que estas não sejam diferentes de outros genocídios posteriores ao arménio. A brutalidade, o desprezo pela vida e a industrialização da morte ganha sempre dimensões absurdas.
Os turcos recorreram a assassinatos e execuções em massa, a deportações, trabalhos forçados, campos de concentração e extermínio, fome, doenças e envenenamentos, a violações e à morte pela tortura. Barcos cheios de crianças e mulheres, milhares de vidas que foram atiradas ao Mar Negro e perdidas por afogamento. Incontáveis casas arménias foram queimadas com os seus habitantes no seu interior. Muitos foram obrigados a marchar pelo deserto sírio, debaixo de calor tórrido sem comer, sem água ou roupa para se protegerem. Estima-se entre seiscentos mil a um milhão de arménios terão perecido desta forma.
Quem quer que quisesse prestar auxílio ou albergasse arménios em suas casas sofreria severas represálias. Morte inclusive.
Pensa-se que um milhão e quinhentos mil arménios, dos cerca de dois milhões e quinhentos mil da população inicial, terão sido mortos no decorrer do genocídio.

No corrente ano, 2020, em que se comemora a passagem dos cento e cinco anos sobre o genocídio arménio, o governo turco continua sem aceitar, apesar de admitir que houve matanças, que um genocídio terá ocorrido em 1915. Prefere falar em conflitos internos e sofrimento, cedendo ao termo massacre.
Países como o México, Reino Unido, Espanha, Austrália, Dinamarca, Bulgária ou Israel, não reconhecem explicitamente ou implicitamente, a ocorrência de um genocídio.
Quanto a Portugal só em 2019 é que reconheceria a oficialmente a sua ocorrência.


Ainda ao abrigo da definição das Nações Unidas, dois genocídios estão actualmente em curso e que a comunidade internacional tem mantido, no primeiro caso, um grande alheamento e passividade, e no segundo, uma quase uma inexistente pressão.
O primeiro é o do Tibete, quando em 1950 a China invadiu este país independente e desde então está a matar paulatinamente a sua população, a destruir-lhe a sua cultura e a sua religião. Triste e incompreensivelmente, numa lastimável submissão ao poderio económico e político do governo chinês, o mundo, particularmente o ocidental, sabendo disto, assobia e vira a cabeça para o lado permitindo que um país inteiro desapareça de uma forma mais ou menos encapotada há setenta anos!
O segundo, está acontecer desde 2016, com o genocídio da etnia muçulmana Rohingya, por parte dos militares budistas com a conivência implícita da líder do governo, a Nobel da Paz (!!), Aung San Suu Kyi. Esta limpeza étnica, que continua em curso, já terá provocado cerca de vinte e cinco mil mortes e mais de setecentos mil refugiados. A quase totalidade destes últimos encontram-se presentemente no maior campo de refugiados do mundo: o Cox's Bazar, no vizinho Bangladesh, por sua vez, um dos países mais pobres do mundo.
Nestes quatro anos nada ainda de verdadeiramente eficaz foi feito para ajudar a etnia Rohingya. E apesar de muitas vozes se erguerem a favor da retirada do prémio Nobel à dirigente de Myanmar, esta ainda não só o ostenta como ainda não foi chamada à justiça relativamente ao crime que está a ajudar a perpetuar.




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