Tóquio, Japão - dez anos, algumas histórias

Japão, Dezembro 2007


O lugar do gaijin


A linha de metro de Tóquio é uma das três ou quatro maiores do mundo. No entanto é muito fácil de navegar nela.
Para além das clássicas cores e nomes a identificar cada uma das linhas, elas estão também numeradas, o que torna muito fácil escolher o sentido da linha e uma vez nela, perceber se estamos no sentido correcto ou não através da sequência dos números e não apenas exclusivamente dos nomes das estações. Acresce que a esmagadora maioria das estações têm os seus nomes não só em japonês mas também em caracteres ocidentais, o que facilita, e muito, a sua compreensão.
Por exemplo, para ir para o meu hotel tinha que sair em Tsukiji, que se situava na linha cinzenta Hibya e estava identificada com o código H10.

A capital japonesa deve ter qualquer coisa como cerca de 14 milhões de habitantes. Lugares sentados disponíveis no metro nem sempre é fácil qualquer que seja a hora do dia. Mas se o encontrarmos, e nele nos sentarmos, o que vai acontecer é que ninguém se vai sentar ao nosso lado ou, se os lugares que ladeiam o nosso estiverem ocupados, as pessoas irão se levantar e estes vão ficar vazios. Passei por isto várias vezes. Chamam-lhe o lugar do gaijin (estrangeiro).
Não se sabe muito bem porque isto acontece. Talvez seja por os japoneses não se sentirem confortáveis por estarem próximos de um estrangeiro ou, por não quererem importunar dando ao gaijin, o espaço necessário.

Tinha passado o dia todo em Akihabara, um dos vários distritos de Tóquio e o centro da cultura otaku, o equivalente ao nerd ocidental. Amantes de tecnologia, anime, manga, jogos vídeo, cosplay, Maid Cafés e tudo o revolve à volta desta cultura têm neste distrito o seu paraíso.
Regressava já tarde e o metro não estava tão cheio como usualmente e lugares disponíveis já eram vários. Tinha a sorte de as estações de Akihabara e Tsukiji serem na mesma linha, a cinzenta Hibya, e de já ter confirmado que estava no sentido correcto, estava portanto relaxado.
Logo na primeira estação após a partida, para grande surpresa minha, senta-se ao meu lado - no lugar do gaijin - quem que me pareceu ser um sem abrigo.
Baixo, aparentava estar para além dos cinquenta, rosto magro e endurecido, de olhos nervosos e brilhantes. Vestia roupas sujas. Por cima delas usava uma gabardine preta, manchada e rota. Tinha barba e cabelo grisalho, ambos longos e de aspecto revolto e desgrenhado. Segurava um chapéu na mão que estava pousada no seu colo. A tiracolo tinha uma sacola de pano também ela manchada e cheia de fiapos.

Vira-se para mim e fala em inglês. Dupla surpresa. A primeira por falar comigo e a segunda, ainda maior, por ser em inglês - mesmo em Tóquio não é fácil encontrar alguém que fale inglês. Pergunta de onde venho, se é primeira vez que estava no Japão, porque tinha vindo até este país e o que já tinha visto dele. Enquanto vou respondendo às suas perguntas ele tira um caderno A3 com folhas de desenho que tinha dentro da sacola e começa a desenhar-me com um lápis de carvão. Em poucos minutos acaba o retrato, separa o papel do caderno e entrega-mo.
Duas estações depois de ter entrado, este sem abrigo sai rapidamente, como se tivesse bastante pressa, desejando-me um breve e lacónico: - Boa sorte.


Este desenho está pendurado numa das paredes da minha casa.




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