Paquistão, Lahore, fronteira Wagah - Pakistan, zindabad!

Pensem num jogo de futebol jogado pelo Paquistão e pela Índia. Há contudo três "pequenas" variações: as duas equipas nunca mudam de campo, a linha do meio campo nunca pode ser invadida por nenhum dos jogadores de cada equipa e não existe uma bola. Na verdade, não se joga futebol de todo.
O local é a fronteira Wagah-Attari, a cerca de trinta quilómetros da cidade de Lahore. A única fronteira terrestre onde os dois países podem ser cruzados por estrangeiros.




Estou do lado paquistanês. Um pórtico com a figura do fundador do Paquistão - Muhammad Ali Jinnah - a primeira coisa que alguém que entra no Paquistão vê, encabeça o espaço. Do meu lado esquerdo está a Índia.
 Autocarros escolares levam seus jovens estudantes a este peculiar jogo. O recinto, com bancadas de cada lado, vai-se se enchendo paulatinamente. Escolho o meu lugar cuidadosamente e espero que tudo comece. Estão agora cheias de gente, aos milhares, com bandeiras nas mãos, colocadas sobre as costas, pinturas na cara e cachecóis. O patriotismo por um país que nasceu em 1947, após a partição da Índia, é evidente. Atarefados, a subirem e a descerem as bancadas, estão vendedores de bebidas, snacks, sem faltarem bandeiras e cachecóis.

Vários animadores percorrem o respectivo meio campo, incentivando os apoiantes a baterem palmas em uníssono, a entoarem cânticos e gritarem entusiasticamente o nome da sua equipa. Nos altifalantes toca música paquistanesa pondo a assistência a dançar e a cantar.
As cores das minha equipa são o verde e o branco, as cores do Paquistão. Torço por eles como se nunca tivesse conhecido outras cores que não estas ou que não tivesse vivido noutro país, agitando a minha bandeira paquistanesa que tinha comprado por duzentas rupias (cerca de 90 cêntimos) pouco antes de  entrar para as bancadas.
Danço, bato palmas, grito os cânticos e palavras de ordem vezes sem conta (arrisco a rouquidão) com eles, como um deles: 

Pakistan, Pakistan (Paquistão, Paquistão)
Pakistan, zindabad (Longa Vida ao Paquistão)
Allahu Akbar (Alá é grande)




         

Do outro lado, ouve-se (abafado) o homólogo indiano Jai Hind (Longa Vida ao Hindustão).
Chamo a atenção de vários espectadores próximos de mim. Pedem-me para tirar fotografias com eles e tiro eu próprio fotografias com eles. Cumprimentos e abraços sucedem-se.

Os jogadores perfilam-se no campo. Altivos e intimidatórios, num impecável uniforme onde o preto domina. Reparo que são todos altos, bigodes e barbas densas, com os queixos bem levantados. Escolhidos a dedo, sem dúvida. Os seus rivais do outro lado parecem encolhidos quando comparados com eles. Deixam-se fotografar facilmente.
O jogo começa, ou melhor, a coreografia, porque é disso que se trata: a Beating Retreat. Está perfeitamente estudada e não podia ser mais marcial. Remonta ao século XVII quando o colonialista império britânico dominava a Índia. Representa o regresso das tropas aos acampamentos após um dia de campanha. 
Desde 1959 que os rangers do Paquistão e as forças de segurança da Índia a executam todos os dias.
Nem durante os anos da Pandemia ela deixou de ser cumprida, apenas sem público.

A coreografia é feita sempre em passo rápido. Paquistaneses e indianos correm, marcham, perfilam-se, levantam as pernas praticamente ao nível das cabeças, batem com força os pés no chão, viram costas uns aos outros. Os rostos mostram orgulho e determinação. Os braços levantam-se bem alto mostrando aos seus rivais quem manda.


A cerimónia de encerramento apesar de toda a aparente "agressividade" e ser uma demonstração de  intimidação e de testosterona por parte de ambos os lados, acaba de uma forma absolutamente amigável. 
O descerrar das duas bandeiras é feito ao mesmo tempo. Num determinado momento elas cruzam-se e de uma forma sincronizada com cada um dos representantes lado a lado. A bandeira que igualmente está colocada no pórtico paquistanês desce com elas.
Apertam as mãos de uma forma militar, algo brusca e seca, num sinal de respeito e de cordialidade. As bandeiras são dobradas, as grades são então corridas e a fronteira encerra.


Este é mesmo o propósito desta singular coreografia: mostrar a rivalidade que existe entre os dois países mas também mostrar o respeito mútuo. Apesar de todo o aparato que a rodeia, a cerimónia de descerramento da bandeira é levada bastante a sério pela Índia e Paquistão.
Paradoxalmente existe, até aos dias de hoje, uma fronteira, entre outras, militarmente disputada entre o Paquistão e a Índia, desde a divisão dos dois estados em 1947. Esta disputa já foi, e continua a ser, palco de várias confrontos (os maiores ocorreram em 1947, 1965 e em 1971) na tristemente famosa fronteira de Caxemira.

Deixo o recinto paquistanês ainda incrédulo com o que assisti.
Já tinha visto vários vídeos desta cerimónia mas assistir pessoalmente, participar nela, pertencer ao ambiente festivo e louco que a rodeia, é praticamente indescritível.
Saio e cruzo de novo o pórtico. Por baixo da imagem de Muhammad Ali Jinnah, em urdu, está a frase: “Bab-e-Azadi” que significa "A Porta para a Independência".
Há quem ainda tire fotografias e selfies com os rangers paquistaneses. Do lado direito está uma loja que vende souvenirs. 

Dentro da mochila está visível a minha bandeira paquistanesa. 
Talvez por isso sou abordado por um animador que por sua vez tem uma enorme bandeira paquistanesa que me pergunta de onde venho:
- Meu amigo, de onde vens?
- Sou português.
- Vem, vem, fica aqui, ao meu lado.
Seguramos os dois a bandeira, agitamo-la com força e entusiasmo, enquanto passavam por nós várias pessoas, e gritamos a plenos pulmões:
- Portugal, Paquistão, amigos!! E concluímos, com ainda mais vontade: Zindabad!!
Repetimos isto mais um par de vezes e depois cumprimentamo-nos de novo, digo-lhe o meu nome:
- Eu sou o Pedro. Qual o teu nome?
- Mohamed.
Só podia. Vou-me a rir e olho para trás. Mohamed já estava a abordar outra pessoa e ouço de novo o grito Zindabad! Quantas vezes fará ele isto ao longo do dia?? Vejo igualmente o pórtico indiano - transformado em bancadas - para quem cruza a fronteira para este país. Um grande letreiro afirma em letras garrafais, para não deixar dúvidas para quem entra na Índia: “India's first line of Defence”



Incrível o que vivi nestas cerca de duas horas. É para isto que se viaja.
Preciso de uma hora para regressar a Lahore.







Comentários

  1. As viagens servem para isso mesmo. E os teus relatos têm o dom de nos transportar para lá. 😊

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