série "Rostos do meu Rosto" - XXXI

Do meu hostel em Listvyanka até ao Baikal eram duzentos, trezentos metros.
Quando cheguei às suas margens senti um tremor interno que percorreu todo o meu corpo.
Estava em frente ao mais mítico lago de água doce do mundo. É o maior do mundo em área, em volume, o mais profundo e o mais antigo. Além de ser um dos destinos de férias preferidos dos russos.

A sua "praia" era feita de seixos rolados e batidos pela água. Quem caminhava nela fazia-o calçado, como eu, ou se descalço caminhava de forma desequilibrada, de braços no ar, como se fosse cair a qualquer momento.
Pequenas barracas de comer, servindo refeições em pratos e copos de plástico, existiam espalhadas aqui e ali, encostadas ao paredão que separava a estrada daquela estreita faixa de seixos.
Dirigi-me a uma delas, escolhi o que pretendia, sentei-me e fiquei a olhar, alternando entre o lago que brilhava de uma forma fulgurante no horizonte e as pessoas que me rodeavam em outras mesas ou que passavam por mim.
Com as horas do meu lado, dividi estas pessoas por aquilo que poderia ser a classe média e a classe alta.

A dita média, tinha uma forma de vestir mais colorida e kitsch, agrupava-se em famílias com crianças, no barulho que faziam e na forma como comiam, mais na onda do piquenique, deitadas ou sentadas debaixo de toalhas nos seixos. No dia a seguir, ao estender o meu raio de acção ao longo da costa, descobri a classe que estava em falta: a baixa, separada das restantes por umas quantas centenas de metros da área por onde usualmente eu cirandava.

Assim vadiavam os meus olhos e pensamentos quando eles se cruzaram com esta senhora. Pertencia à classe que eu tinha categorizado como alta.
Bonita, bem vestida, óculos de sol, argolas em ambos os pulsos, colar e brincos a fazer conjunto com as unhas bem tratadas. Comia nas mesas das barracas de comer e partilhava a mesa com duas amigas que estavam de costas para mim.
Enquanto a olhava, o seu olhar cruzou-se com o meu. O momento durou uns segundos, que aproveitei para tocar na câmara fotográfica pousada na mesa. O seu trejeito de lábios fez-me assumir que dava o consentimento à fotografia. Para não violar a privacidade do seu almoço com as amigas, a fotografia foi tirada da minha mesa.
Na segunda vez que os nossos olhos se cruzaram, agradeci a oportunidade com um trejeito da minha cabeça acompanhado de um sorriso.








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