aldeias de xisto, Gondramaz - o primeiro selo



A aldeia Gondramaz é como aquele selo que vem já colado quando se alinha numa qualquer caderneta de promoções, de uma qualquer cadeia de supermercados. Nem sempre é o selo mais valioso ou relevante, mas é o que incentiva a procurar todos os restantes. Da estrada, ela apresenta-se como uma mancha castanha isolada e afogueada no verde uma vegetação densa que disfarça o declive da serra da Lousã. 
O poema Bucólica do médico e poeta Miguel Torga, que visitava frequentemente esta aldeia de xisto, está traçado numa chapa enferrujada que faz, em jeito de boas vindas, a introdução à aldeia e à paisagem:

A vida é feita de nadas:
De grandes serras paradas
À espera de movimento;
De searas onduladas
Pelo vento;

De casas de moradia
Caiadas e com sinais
De ninhos que outrora havia
Nos beirais;

De poeira;
De sombra de uma figueira;
De ver esta maravilha:
Meu Pai a erguer uma videira
Como uma mãe que faz a trança à filha.



A aldeia corre sem pressas longo de uma única rua principal, a Rua Budas. Daqui partem pequenas e estreitas ruelas que terminam em becos sem saída ou que desembocam mais acima ou abaixo da artéria principal.
Nelas, subsiste ainda aromas do que esta aldeia que caminha para os tempos modernos, foi nos tempos antigos: casas velhas e alguns escombros, vigas caídas e apodrecidas, janelas desfeitas e xisto esboroado pelo tempo. Espreitando por esta janela do tempo que se entreabre para outras décadas, percebe-se que a construção é rude, muito simples. Dois andares, em que o de baixo servia para albergar os animais e em cima habitavam as pessoas. Ou, uma casa térrea em que um curral partilha paredes meias com a casa.






Desço a rua. Tem uma inclinação suave. No centro dela, uma estreita via com uma textura diferente da pedra que a circunda, permite a quem tenha deficiência visual manter-se no caminho. Manchas cinzentas claras de cimento não disfarçado, talvez de um reboco talvez mal feito e apressado, destoam ocasionalmente nas paredes xistosas das casas.
À direita, um fontanário está ancorado e mimetizado na parede de uma antiga casa bem recuperada. Do lado esquerdo, a irregularidade laminada e as cores amáveis do xisto são interrompidas abruptamente por uma parede lisa e alva.
Poucos metros depois abre-se um pequeno largo. A explicação para este branco súbito surge. Pertence à capela da Nossa Senhora da Conceição. A sua fachada é um grito alvo no xisto que a rodeia.

Saindo de uma das vielas, uma senhora cruza o largo e vem regar os vasos que estão na entrada da capela. Na mão direita segura um balde cinzento, na esquerda, um regador vermelho.
Vai ao fontanário, enche ambos e volta de novo aos vasos. Com sorriso contido e simpático, dá dois dedos de conversa rápidos: "Habitam aqui uma mão cheia de pessoas. Quase todos nós ponderamos sair. Alguns já só vêem cá aos fins de semana."
"São vocês, que nos visitam, que trazem um pouco de vida. A maioria prefere andar por outras aldeias, Candal e Talasnal, do que por Gondramaz. Mas está bom assim."

Após o largo, a rua desce mais umas dezenas de metros e acaba num trilho que mergulha no verde.



Das aldeias de xisto, Gondramaz é talvez a mais equilibrada e agradável. Não tão betinha quanto Talasnal, nem tão alternativa quanto Catarredor.

Bem recuperada e arrumada, sente-se que houve cuidado, sinceridade e carinho no seu restauro. Não houve exageros e o objectivo não foi a comercialização nem a massificação de visitantes. Não tem alojamento, cafés ou restaurantes (só um) em profusão.

Sente-se o seu isolamento. Não só fisicamente mas também tecnologicamente. Rede é quase inexistente. Telemóveis, computadores e tablets estão reduzidos ao silêncio. É necessário procurar pelos raros locais, onde se possa encontrar o tal pauzinho de rede disponível e esperar que este seja o suficiente, e estável, para fazer uma chamada ou enviar uma mensagem.







Na crista da encosta, onde a aldeia se incrusta, está um parque de torres eólicas. Chega-se lá por um  piso que começa muito estreito muito irregular e desnivelado - mais trilho que outra coisa qualquer - está rasgado na terra por escorrências das águas. Mas o cenário, justifica-o. A vista é limpa. As torres, elegantes e esguias, de longas e esbeltas lâminas, rasgam o ar, fazendo-o soltar um queixume grave.
A paisagem estava castigada. Uma extensa faixa negra interrompia o azul imaculado do céu e um aroma denso de algo a arder pairava no ar. Do alto da serra, descortinava-se facilmente um enorme foco de fumo viscoso e tenebroso - um incêndio de vários dias fazia sentir a sua pesada presença.

Em poucas horas explora-se Gondramaz. É ver e partir? O contrário. Ver e ficar.
Há algo que torna esta pequena aldeia apetecível, acolhedora, confortável. Aquele je ne sai quoi vago e atraente que a distingue das outras aldeias.






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