série "Outros Rostos do meu Rosto" - II


Já perdi várias fotografias de rostos. Por estarem desfocadas, tremidas, por terem sido tiradas à pressa. Não gosto de demorar mais que uns quantos segundos a tirar uma fotografia a alguém.
Para quem se deixa fotografar, uma dezena de segundos é uma eternidade.

Dentro das fotografias de viagens são aquelas que mais me custam perder.
Não tanto tecnicamente, não tanto por poder ou não voltar ao país que viajava na altura, mas acima de tudo ter desperdiçado o privilégio da confiança que alguém me concedeu de ser fotografado.



Foi uma fotografia rápida. Na verdade, quase que foi "roubada". 
Esta senhora estava sentada nuns degraus de uma casa qualquer num beco perdido de Sucre, na Bolívia.
Tinha um ramo de flores amarelas no seu colo e vários ao seu lado em cima do degrau onde se sentava.
A sua tez, o chapéu e o +poncho que tinha sobre os seus ombros combinavam na perfeição. 
Num perfeito "portinhol" perguntei-lhe se podia tirar-lhe uma fotografia. Por algum motivo qualquer mal esperei pela resposta ou por um aceno de cabeça que me dissesse que consentia. Tirei de rajada algumas fotografias. Mostrei-lhas e já me afastava quando a ouço a chamar-me. Viro-me e vejo o gesto da sua mão a pairar sobre os ramos de flores.
Não estava mesmo interessado nelas mas sentia a consciência algo pesada pela forma como a fotografei. Compro-lhe um ramo de flores, para a compensar e aliviar o peso que sentia. Poucos minutos depois ofereci-o a uma jovem que passou por mim.


Sucre, Bolívia


O Templo do Céu, em Pequim, é um dos meus sítios favoritos da China.
Já tem uns largos séculos em cima. Foi erigido em 1420. De natureza taoista, este templo é profundamente simbólico e um lugar onde espiritualmente a terra e o céu se relacionam.
É um lugar de cheio de paz e tranquilidade com uns jardins enormes onde os ciprestes reinam.

Foi nestes jardins que encontrei esta menina. O seu cabelo, de um negro reluzente, e a profundidade dos seus olhos rasgados cativaram-me de imediato. 
Estava sozinha, sentada num banco, próximo de uma fonte de água. Olhei à volta dela para ver se encontrava os pais para saber se permitiam que a fotografasse. Como não os encontrei, a sorrir, ajoelhei-me lentamente à frente dela e levantei a câmara. Não disse nada, não se mexeu, mal pestanejou. Sempre impávida. 
Paro qunado tenho quatro ou cinco imagens.Levanto-me e sacudo o pó que se agarrou aos meus joelhos. Agradeço-lhe  fazendo uma pequena vénia. Dou uns passos para trás para olhar para ela mais um pouco. Rodo os calcanhares para a frente e prossigo em direcção ao templo.


Pequim, China


O Vale do Omo é fascinante. Não só pelas paisagens que oferece mas também por ser a região onde habitam cerca de oito tribos diferentes. Algumas das quais permitem que estranhos partilhem o dia a dia com eles. Uma delas, são os Hamer.
Passaria quase três dias com eles o que me permitiu conhecer os elementos da tribo razoavelmente bem.
Três dos os mais importantes da aldeia: o ancião, a sua mulher (cega) e o "herói".

O herói da aldeia pavoneava-se ostensivamente à nossa volta. Era fácil de o distinguir. Tinha uma pena preta no topo da cabeça.
A pena mostrava que ele tinha feito algo de grandioso, notável e que a tribo o tinha reconhecido. 
Tentei perceber junto de Chuchu, o meu guia etíope, o que ele tinha feito. Parece que havia várias versões. Uma afirmava que ele tinha morto um animal selvagem com as nuas, outros diziam que tinha sido com uma arma e ainda diziam que tinha morto um inimigo da tribo. Aquela pena tinha origens algo confusas.

Fotografar era o que mais queria. Para lhe tirar fotografia preparou várias poses. Escolheu uma e fez o seu melhor ar de intimidação. Depois pediu dinheiro. Recusei e com a minha mão abarquei todo o espaço à nossa volta. Havia uma regra que tinha sido estabelecida previamente e que Chuchu explicou: podíamos fotografar toda a tribo, desde que a sua cultura e privacidade não fosse invadida ou perturbada, sem ter que pagar nada.
No entanto não quis deixá-lo de mãos vazias e ofereci-lhe um sabonete, uma espécie de moeda usada para pagamentos, dada a falta de produtos de higiene naqueles locais, e que tinha comprado em grande quantidade. Oportunidades para os distribuir não iria faltar assim como alguns quilos de fruta que trazido
O "herói" não hesitou: quase que arrancou-mo da mão e voltou a mostrar o seu semblante ameaçador apontada para a pena negra: o seu orgulho e status.


Vale do Omo, Etiópia


Já me esqueci do nome dele. Foi o meu guia durante umas caminhadas que fiz na região de Cederberg, na África do Sul.
Era um "bushman", um busquímano. Antigos nómadas, agora cada vez mais sedentários e a viverem em aldeias nas imediações das cidades, são um povo que vive e conhece profundamente os segredos da área onde vivem. Os seus conhecimento passa de geração em geração apenas oralmente e não de uma forma escrita.

Conhecem que plantas são ou não comestíveis, quais os seus poderes curativos, ou o seu contrário. Como fazer armadilhas para roedores e répteis, com o que se vai encontrando no chão, e onde e como os encontrar.
Estava tão empenhado nesta última tarefa que não conseguindo encontrar um gecko e umas aranhas debaixo de pedras, tirou dois frascos da sua mochila a tiracolo, cada um com o seu animal, para os libertar e os vermos a procurar refúgio nas pequenas pedras. Tinha feito o trabalho de casa.

O guia parecia estar pouco habituado a pessoas. Mesmo falando de uma forma apaixonada, fazia-o de uma forma nervosa, rápida e inquieta, com dificuldade em olhar para a sua audiência.
Contudo era por demais evidente que sabia bem do que falava.


CederbergÁfrica do Sul


Battambang é uma das cidades que mais gostei de visitar no Camboja.
Principalmente por dois motivos: pelas várias aldeias aldeias que orbitam a cidade que se podem conhecer com uma pequena vespa e um guia local e depois pelo Bamboo Train.

Os bamboo train são plataformas, tipo estrados de ripas de madeira (já não são de bambu) com dois metros por três, montadas em dois pequenos rodados de comboio adaptados de material abandonado que correm nuns carris com cerca de um metro de bitola (largura).
Em Khmer o seu nome é "norry". Têm origem na década de 10 ou 20 do século XX. Fazia a ligação com a Tailândia. Agora é utilizado por locais para ligar vilas.

Nuti, era o sorridente "maquinista" do meu bamboo train. 
No fim da linha, pouco depois de uma pequena ponte, paramos um pouco antes de regressar. Nuti faz sinal que vai mergulhar de lá para a água que corre placidamente por debaixo dela, Convida-me a fazer o mesmo. A água está barrenta, cheia de sedimentos. Salpicada pela chuva, que tinha amenizado nesta altura, que cai. Ir ou não ir àgua seria indiferente porque estou encharcado de uma ponta à outra. O Camboja vive nesta altura os últimos dias das monções. 
O que me impediu de acompanhar Nuti foi pensar que o meu sistema imunitário poderia não estar à altura para tomar banho nas águas que alimentam os arrozais. 


BattambangCamboja



Comentários

  1. A diversidade do ser humano....Aqui os rostos mas também as almas.
    Gostei muito! :)

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